23 de dezembro de 2013

Como a asa de uma borboleta

Asa de borboleta é a coisa mais frágil que existe, porque quando você a toca, ela se desfaz nos seus dedos deixando um brilhinho. Ela se desfaz, mas deixa um brilho. 
Acho que a vida tem muito disso, várias de suas coisas se desfazem, mas algumas acabam deixando um brilho. 

Várias coisas se desfazem, mas algumas deixam um brilho.

Letícia Cardoso

12 de dezembro de 2013

O lugar

Eu gostaria de ficar para sempre ali parada, envolta e envolvida por aquele lugar nunca antes visitado. Eu via muitas pessoas irem ao seu encontro todos os dias e me perguntava porque algumas vezes era tão difícil ou por que motivo, por que razão, por que diabos as mil horas trabalhadas por semana não pagavam para me colocar lá. Valor alto ou baixo da moeda, dez por cento do salário colocado na poupança e corte de gastos supérfluos: nada, nada chegava ao preço estipulado de estar nele.

Quando eu finalmente cheguei, a minha vontade era de nunca sair dali. Eu suspirei alto e você me perguntou se eu estava cansada de esperar. "Não, não, é só um suspiro". Mas eu estava sim, só não quis falar. E então, eu entrei naquele espaço que eu tinha a impressão de já ter visitado ou conhecido, mas a verdade é que eu nunca havia estado ali. Aquilo tinha um ar diferente, um afeto novo, de refresco, recomeço, férias merecidas depois de meses ou anos de trabalho. 

Eu gostaria de ficar para sempre ali parada, envolta e envolvida naquela temperatura que surpreendia de tão ideal. Logo eu que tenho tantas dificuldades com climas, temperaturas e mal sei usar o ar-condicionado. Era final de inverno e começo de primavera. E você sabe como são as coisas em finais de inverno e começos de primavera, o dia pode amanhecer claro com um calor enorme e terminar chuvoso com ventos gelados. E mesmo nessa confusão, esse local conseguia equilibrar toda as indecisões climáticas. No mundo lá fora, é importante carregar sempre uma blusa, optar por uma sapatilha que possa ser suja de lama e nunca esquecer o guarda-chuva. Mas dentro desse local não, nele você pode ficar a vontade. Ele é seguro e feito pra você.

Quando eu finalmente entrei, a minha vontade era de nunca sair dali. Foi como se esse espaço tivesse sido realmente feito pra mim. Se eu ficar muito tempo longe, eu me perco e não me acho. Sinto falta, fico brava, me desaponto com esse meu jeito de criar laços. Fico pensando que eu gostaria de ficar pra sempre ali parada, envolta e envolvida nesse lugar tão surpreendente e calmo que existe perto do seu peito e dentro do seu abraço.

Letícia Cardoso

5 de dezembro de 2013

O Homem e o Iceberg

"Nós não fazemos outra coisa, não é? 
Olhar para as coisas e provar bebidas novas"
Hemingway em "Elefantes Brancos"

O homem no bar tem um problema. Algo que não diz e não consegue dizer, que não fala e não consegue falar, que não expressa e nem consegue expressar. Uma série de pessoas estão ao seu redor. O cara comemorando o sucesso no vestibular e os próximos oito anos em medicina. A garota que, depois de tanto tempo, foi pedida em namoro. A despedida do colega mais inteligente e prestativo do trabalho que pagou a rodada para os amigos, porque em terra de jornalismo, CLT é rei.

Pessoas felizes passaram ao lado do homem no bar que tinha um problema, mas ninguém sabia o que era. E pra falar a verdade, ninguém notou também. Pediu uma bebida para disfarçar algo que não queria dizer, esquecer algo que não queria falar, deixar pra lá algo que não queria expressar. 

"Qual bebida o senhor vai querer?", disse o barman
"A mais forte", respondeu
"Dia difícil?"
"Ninguém fala sobre a parte debaixo do iceberg."

Entretido em si mesmo, o homem que tem um problema tomou whisk. Bons copos de whisk. E voltou a analisar a profundidade dos acontecimentos.

"Eu não falo muito sobre você, porque tudo está muito além do que pode ser visto. Poucas pessoas entenderiam", disse o homem
"Então você bebe?", respondeu o iceberg
"Bebo e escrevo. Como todos os grandes caras."
"Mas se você escreve, é claro que você fala sobre mim. E deve ser horrível as pessoas saberem que você sofreu. E foi tanto, que você precisou escrever, botar pra fora, 'enfiar um dedo na garganta'.
"Nem tudo. Às vezes eu só deixo a sua ponta movimentar o texto dando a ideia da história sem ser exatamente claro com a profundidade do tema ou da situação. Às vezes eu só deixo todos verem o que realmente podem ver."
"Falando assim, você até parece frio. O que você não é e nem  nunca será. Mas a verdade é que todos sabem que seu texto nasceu de algo muito maior e profundo do que qualquer frase possa expressar, tipo a minha parte debaixo"

Foi então que o homem debateu com o iceberg todos os textos que nasceram de algum conflito interno, de parágrafos formados para não dizer ou expressar tudo e das frases que nasceram para serem sutís.E não pense que existe um motivo poético ou uma construção criativa para não falar exatamente sobre a parte debaixo de nós. Às vezes escritores realmente não sabem como dizer ou explicar, e escrevem justamente para tentar entender.

"Eu sei que você tem um problema pelo número de copos de whisk que tomou", disse o iceberg
"Eu sei que você é um problema pelo texto que fez eu escrever", respondeu o homem.

Foi então que o homem sentado sozinho no bar parou de conversar consigo mesmo, pediu mais um copo de whisk e iniciou outro conto no papel. Isso para disfarçar algo que não sabia como dizer, esquecer algo que não sabia como falar, disfarçar algo que não sabia como expressar. Uma série de pessoas estavam ao seu redor. O futuro médico sendo carregado pelos amigos, a mulher e o seu novo velho namorado e o jornalista-rei falando sobre o chefe.

"Dia difícil?" - disse o barman
"Nós não fazemos outra coisa, não é? Olhar para o que não entendemos e escrever coisas novas", respondeu o homem

Letícia Cardoso

28 de novembro de 2013

E essa mania de falar em passarinhos?

Há um passarinho cantando na minha janela todos os dias às sete e vinte. Faz mais ou menos seis meses que eu acordo com ele cantando sem me importar se isso interrompe o meu sono de vez em quando. Ou o meus sonhos. Ou os meus planos.

Já procurei pelo telhado e não há ninhos. Já tentei olhar pela fresta, mas nunca sei onde ele fica. Nunca o vi de fato, e nem sei porque esse passarinho escolheu a minha varanda no meio de tantas outras pra cantar. Não tenho plantas, não deixo flores e nem água pra beber e mesmo assim ele volta todos os dias. Existe apenas a minha janela e eu dormindo ou acordando do outro lado. Fico desejando sair para ver como ele é ou até mesmo ser igual ao meu avô, que nasceu no interior e tem facilidade de reconhecer um passarinho pelo canto que ele tem. Mas no final das contas só fico escutando ele cantar do outro lado.

Eu costumava acreditar que pássaros escolhem a sua morada para cantar quando ela é cheia de plantas, como se isso pudesse o lembrar de algum habitat muito distante. Mas isso não acontece com o meu passarinho, e ainda bem que ele tem asas para escolher cantar aonde bem entender. 

Penso seriamente em demorar a abrir a janela pra não invadir bruscamente o seu espaço e a liberdade que ele tem de escolher a minha varanda para cantar, mas amanhã deixo flores e água só pra ele saber que existe alguém ali para o escutar todos os dias. Sempre é bom alguém invadir um pouco o seu espaço pra mostrar que se importa, ou que existe, ou que você melhora o dia. 

Faz mais ou menos seis meses que um passarinho interrompeu minha rotina de sono habitual e os meus planos de dormir até mais tarde. No final das contas, eu descobri que é bom alguém aparecer de repente e mudar o decorrer das coisas. Foi assim que eu comecei a gostar do passarinho: escutando ele voltar todos os dias com a sua cantoria, mesmo comigo nunca deixando quase nada em troca. 

Letícia Cardoso


11 de outubro de 2013

"Morre e nasce trigo, vive e morre pão"


Quem sente mais, quem se expõe mais, tende a sofrer mais.
E quem não se expõe também, só não demonstra. 
Sentir não é sofrer. E não sentir, não é ser feliz.

Drão by Gilberto Gil on Grooveshark Fui procurar a história por trás de 'Drão', do   Gilberto Gil e  descobri que  o cantor compôs para a ex-esposa alguns dias após a separação e tocou para ela algumas semanas depois de pronta, o que não mudou a decisão que eles tomaram. Talvez isso contribua muito para que as pessoas a enxerguem como uma canção de ruptura ou de um problema que fez o amor acabar e tudo o mais. O que não deixa de ser verdade, mas a gente sabe que ela não é toda assim.

A letra traz coisas como "Drão, não pense na separação, não despedace os coração" ou "Drão, os meninos são todos são. Os pecados são todos meus" e vê que nisso tudo há mesmo um bocado de tristeza e melancolia. Fico pensando até no que se passa por dentro do Gil quando ele precisa cantar essa música ou dentro do Caetano melodiando "Quem poderá fazer aquele amor morrer? Nossa caminhadura..." em uma versão ainda mais linda com aquele estilo voz e violão que ele temAs criações são de uma natureza muito íntima.

Na sua análise de "Drão", o amor não tem que acabar, estar desgastado e ter nos dilacerado para haver uma separação. E eu concordo, às vezes o destino infelizmente tem a péssima ideia de não deixar o amor ser suficiente. Eu acho que quando há uma separação, a gente só precisa esperar que ele tome o seu rumo, ao invés de desejar que tudo acabe imediatamente. Os sentimentos simplesmente não tem disso, eles costumam se silenciar discretamente de um jeito que a gente nem percebe: fazendo  as malas no meio de uma noite qualquer e encontrando algum espaço no peito que não lateje tanto para se instalar, junto com todos os outros amores do nosso passado. Bobagem essa história de que existe apenas um amor ou uma única alma-gêmea no meio de sete bilhões de pessoas. Todos os nossos amores, pessoas e épocas foram diferentes. E de algum jeito e sem medo é preciso dar um jeito de seguir em frente, sempre.

Como você disse, a gente leva alguns golpes, cria umas cascas e evita de ter um outro relacionamento ou sentimento, até que um dia a gente encontra um outro amor assim: Drão. Porque a verdade é que Gilberto Gil foi muito mais incrível e cantou o destino de todos os amores, mesmo com a separação: "Quem poderá fazer aquele amor morrer, se o amor é como um grão: morre e nasce trigo, vive e morre pão?"

É como se não houvesse jeito. Que não adianta ter receio de se apaixonar ou de se envolver, porque isso deve acontecer com você e pronto. Aceite o seu destino e não fuja, evite ou tenha medo de qualquer caminho que o sentimento venha a ter. Ele não tem que nascer, morrer ou ter um ponto certo para chegar, porque o amor é como um grão: quando vem, chega apenas querendo germinar.

Letícia Cardoso


7 de outubro de 2013

O destino de todos os afetos

O nosso carinho pelos outros é sempre muito particular e muito nosso: nasce dentro, vive dentro e até morre dentro também. Mas, eu acho importante falar sobre ele com a outra pessoa. É como se o nosso carinho, mesmo muito particular e muito dentro, pudesse seguir um outro caminho para se encontrar.

Acho que esse é o destino de todos os afetos: um outro carinho para se encontrar.


Letícia Cardoso

27 de agosto de 2013

Se eu não tivesse escutado sobre as Orquídeas

Outra canção by Leo Fressato on Grooveshark

Se a minha mãe não gostasse de orquídeas, eu nunca descobriria que existem plantas que florescem difícil. Eu não saberia, por exemplo, que alguns tipos de orquídeas demoram de dois a quatro anos para ter a primeira flor, mesmo cuidando da maneira certa e as deixando livres de ataque de larvas ou bichos. Eu nunca quis uma orquídea, porque eu sou daqueles seres humanos de natureza quase imediata. Se eu cuido, rego e adubo: eu quero uma flor.

Mas o problema é que a minha mãe gosta de Orquídeas, e sempre gostou. E eu aprendi a admirar desde pequena quem, pacientemente, espera por um florescimento difícil. Isso porque eu achava complicado ter tanto empenho por algo que vai demorar para nascer. Não sabia nem que, em algumas fases da vida, a gente vai adubar muita coisa mesmo com a possibilidade de algo nunca florescer. 

Se a minha mãe não gostasse de orquídeas, eu não teria descoberto cedo que tenho dificuldades em mexer com a terra, que eu nunca sei o quanto expôr ao sol e que eu esqueço mesmo de regar a planta todos os dias. Eu desistiria e largaria mão, optaria por uma outra muda, uma roseira ou um pé de amora, quem sabe? 

Mas o problema é que a minha mãe gosta de Orquídeas e me disse há muito tempo atrás que algumas plantas florescem difícil. Me ensinou que nem todo mundo nasceu para ser orquidófilo, e que era para eu ter um profundo respeito por todos os donos de Orquídeas Floridas que não são compradas prontas. E também por todas as que, depois de dois ou quatro anos, seguem o percurso da natureza e se permitem sair para o mundo.

Eu nunca quis uma orquídea, porque eu sou daqueles seres humanos de natureza quase imediata. Se eu cuido, rego e adubo.. eu quero encontrar uma flor na minha janela. Roseiras, Girassóis e Zinnias germinam rapidamente e são mais fáceis de cuidar. Pés de goiaba, amora, pitanga e laranja nos dão segurança pelo ciclo de que tudo o que a gente planta e cuida, certamente vai nos dar frutos na próxima estação.

Mas o problema é que eu encontrei uma Orquídea no meu caminho. E ela é tão linda que eu aceitei cuidar dela sabendo que talvez ela não floresça na próxima primavera. Eu aprendi a sentir gosto pelo simples mexer na terra e adubar o necessário. Tem me alimentado até olhar na janela e ver que ela ainda está por ali fazendo as suas próprias coisinhas, com a sua meia-luz de sol necessária do dia. Pelos motivos de sua própria natureza, eu aprendi a entender (e até esperar) pacientemente o seu florescimento difícil, mesmo sem saber muito sobre o seu percurso de se permitir sair para o mundo.

Eu nunca quis uma orquídea, mas não tive escolha e nem opção de voltar atrás quando a encontrei pelo caminho. Aconteceu. É muito loucura decidir ficar e cuidar de uma planta dessa espécie, eu sei. Talvez seja até um pouco desapontador não desistir de um dia ver a flor nascer. Mas tudo bem, nem todo mundo nasceu para ter uma.

Ah mãe, se você não tivesse me contado sobre as Orquídeas... eu jamais iria compreender os corações desse tipo.

Letícia Cardoso

20 de agosto de 2013

Será?

Na ponte das meias decisões, ninguém tem certeza de qual é a certa e qual é a errada.

Meias decisões fazem parte daquele tipo de situação em que você se depara com uma coisa certa que pode dar errado depois. Ou uma coisa que parece errada, mas tem potencial pra dar certo. Ou se não, aquela hora em que você encontra exatamente o que sempre quis, mas que poderia ter vindo antes. Ou depois. Ou talvez daqui a alguns meses, quem sabe? Mas aí, chega uma hora em que você é obrigado a tomar uma decisão diante do que apareceu na sua frente, ou literalmente caiu em suas mãos.

Na ponte das meias decisões ninguém tem certeza se a que tomou é realmente a errada. E se assim parecer, a gente nega todo o errado que aquilo pode ter criando alguns motivos para ter decidido aquilo. Parece errado agora, mas é o certo porque pode dar errado depois. Parece errado agora, mas é melhor assim porque eu não estou pronto. Parece errado agora, mas lá na frente eu vou ver que eu deveria ter feito isso. A gente tem uma capacidade enorme de fazer tanta coisa parecer errada só para mentir pra si mesmo ou tirar algum peso de "consequências" das costas.

No final das contas, por mais que pareça certo ou errado, só a gente vai ter que lidar com o que poderia ter sido e não foi. Do que deveria ter sido e nunca será. Do caminho que era para ter vindo e nunca virá e assim por diante. 

Eu tomei uma decisão, mas e se..será?

A gente nunca vai saber direito o outro lado. 

Letícia Cardoso

5 de agosto de 2013

Primeiro um desespero, e depois uma calma

All I Want by Kodaline on Grooveshark

Há quem diga que eu busco respostas muito "no preto ou no branco". Que nem tudo "é" ou "não é", e que é preciso pensar sempre no “depende” antes de qualquer resposta racional que eu procure para uma pergunta. Que eu enrolo, mas no final das contas, eu acabo me entregando a uma necessidade maior de se viver do que necessariamente medo de me machucar. Mesmo que não haja respostas ou decisões definitivas. Existe alguma?

Li uma entrevista esses dias em que, durante uma pergunta sobre a juventude atual, a atriz Letícia Sabatella disse algo como “A gente tem que ter um certo cuidado com a nossa capacidade de viver a vida intensamente e de querer mudar as coisas. E também com a nossa capacidade de amar e querer ser incrível com alguém, porque tudo isso é muito precioso”. Ela finalizou dizendo que somente os jovens tem essas sensações de uma forma desesperadora, e que é por causa disso que eles mudam o mundo.


Para mim, ela quis dizer que nós - jovens, adultos, pais, filhos, avós e qualquer pessoa na terra - temos que cuidar de todas essas coisas, porque elas são muito frágeis e deveriam durar. Por isso existe essa necessidade de proteger o que se é ou o que se tem em quase todas as situações do caminho. Há uma vontade enorme em se jogar de cabeça, mas ao mesmo tempo um medo absurdo de cometer um erro. Poucos são os que se arriscam sem pensar, seja em um relacionamento, um emprego ou qualquer primeiro, segundo ou terceiro passo. A gente sempre pondera, porque algumas decisões machucam e podem doer por um bom tempo. E mesmo assim, a gente  - jovens, adultos, pais, filhos, avós e qualquer pessoa na terra - ainda consegue mudar o mundo.

Mas sem pensar no meio-termo, eu digo que a maioria das coisas nunca duram. Elas tem um prazo de intensidade e frieza, de certeza e dúvida e tantas outras coisas que fazem parte da nossa existência aqui. Eu digo que, em algumas fases, a vida parece muito ser um lugar para um monte de coisas ruins acontecerem. Eu digo que tem dias que a gente não vive, apenas sobrevive. E ainda tem que agradecer por isso, porque algumas sobrevivências são melhores que outras.

"Lembre-se que toda pessoa que você conhece tem medo de alguma coisa. 
Ama alguma coisa. E perdeu alguma coisa."
A questão é que eu cheguei a conclusão de que nada vai ser como a gente quer ou espera. Eu entendi que cada um tem a sua história e olhando para a minha e para a sua, leitor, há realmente coisas que a gente nunca vai superar. Há também pessoas que nós perdemos para sempre e momentos que não acontecerão novamente. Há chances que não virão pela segunda vez, ponteiros de relógio que nunca vão parar de voar e sonhos que vamos desacreditar e, mais tarde, voltar a acreditar novamente. 

Mas sem cuidado algum, eu digo que existem outros lados. Eu acredito que ao mesmo tempo em que a vida te bate, ela te acaricia. Do mesmo modo em que ela dificulta, ela te dá força e sorte. Eu digo que as pessoas que ela tira, ela te devolve. Que não importa aonde nascemos, nós sempre acabamos encontrando uma relação de nível familiar em alguém que nem é do nosso sangue. Penso que tem gente que aparece apenas para envelhecer algumas feridas e nos ensinar a começar de novo. Acho sim que, dependendo da situação, dá pra voltar atrás e fazer - ou tentar ser - melhor. E acredito que as coisas frágeis  nos apontam o que é precioso. E a gente não pode parar de repetir nada de precioso nesse mundo. 

O futuro pode não ter a “roupagem” que desejamos, mas ser bom do mesmo jeito. Acredito de verdade que entre decisões certas e erradas do passado, o lugar aonde você se encontra agora é exatamente aonde você deveria estar. A gente vive o mesmo tanto que sobrevive e ganha o mesmo tanto que perde. É dessa forma que prefiro olhar os caminhos, enquanto sigo procurando decisões que causarão menos dor, mas depois me entrego ao fato de que as coisas que a gente precisa viver podem ser muito mais importantes e gostosas do que o nosso medo de nos machucar. Ou de errar. E talvez essa seja a coisa mais difícil de se decidir sobre qualquer questão, principalmente porque não existem decisões e respostas definitivas. Tudo pode mudar.

A vida é a maior loucura que existe com todas as suas coisas boas e ruins, e viver intensamente é passar por tudo isso. E não importa o número de conselhos que as pessoas vão nos dar, algumas coisas a gente só consegue fazer quando está pronto. Do nosso jeito. No nosso tempo.

Seja a ferro e fogo ou equilibrado, na razão ou na emoção, no impulso ou na calma, não importa. Na dúvida: escolha simplesmente viver. Do seu jeito. No seu tempo. Só não se esqueça de que decisões fazem a vida andar, principalmente porque não há como viver no meio-termo. Ninguém vai me tirar da cabeça de que não existe "depende" pra isso. Existe?

Há um sentido para nascermos chorando e depois nos acalmarmos na segurança do colo de alguém que nos ama, ou no berçario com uma galera que está passando pela mesma coisa. A vida, e o resto dos anos, vão funcionar da mesma forma: primeiro com um certo desespero de fazer chorar e depois alguma calma.

Primeiro um desespero, e depois uma calma. Vale desistir por causa da primeira sensação?

Letícia Cardoso

19 de julho de 2013

Este sonho ainda não tem título

Sobre Nós Dois e o Resto do Mundo by Frejat on Grooveshark

Tenho sonhado um sonho com você. Não daqueles de quando a gente acorda no meio da noite e por alguns segundos lembra de algo, mas sim aquele em que a gente começa a sonhar antes de dormir. Tem nascido assim, bem discreto e miudamente, o sonho que ando sonhando com você.

Tava aqui pensando escondido que os sonhos que a gente mais quer que se tornem realidade não podem nem desconfiar que andam sendo sonhados, principalmente os de amor. Os mais queridos - e que fique claro que estes não precisam ser necessariamente de amor - são sempre muito tímidos e não gostam de ser alarmados ou notados em uma sala cheia de gente, embora sejam capazes de aparecer no meio de uma multidão dentro da nossa cabeça e (por que não?) coração. Tem sonho que é tão íntimo que a gente até fica sem jeito de contar para uma pessoa. Parece bobagem dizer que deita na cama e sonha, ou encosta-a-cabeça-na-janela-depois-de-um-dia-pesado-no-trabalho-e- sonha. Os sonhos que a gente mais quer não costumam virar realidade, por isso eu sentei aqui tímida e comecei a pensar escondido sobre essas coisas.

No final das contas, sonhar é esperança ou até mesmo a falta dela quando imaginamos por trinta segundos como seria determinada coisa sabendo que ela pode não vir a ser. Sonhar, meu bem, faz um bem danado. Não custa nada e nem tira pedaço. Mesmo que após um gesto rápido, urgente ou impensado o sonho tímido saia da sala envergonhado e se descubra, na verdade, uma ilusão. O meu sonho contigo me lembra o jovem Werther, de Goethe, rindo do próprio coração, mas lhe fazendo todas as vontades. 

Por tudo isso é que eu tenho sonhado um sonho com você. Não daqueles de quando acordo no meio da noite e por alguns segundos lembro de algo, mas sim aquele em que começo a sonhar antes de dormir. 

Penso sobre isso que costuma nascer assim, bem discreto e miudamente, como o sonho que ando sonhando com você.

Letícia Cardoso

28 de maio de 2013

Sementes de Pé de Manga Espada

All You Need Is Love by Playing For Change on Grooveshark

Existe um museu na Croácia chamado "Museu dos Corações Partidos". Criado em 2006, ele expõe  objetos de relacionamentos que não deram certo, bem aqueles que a gente ganha quando está envolvido com alguém e não sabe muito bem o que fazer quando tudo acaba. O que começou com 70 peças, hoje tem mais de mil. Existem mais de mil pessoas com o coração partido no mundo, muito mais.

Os donos do museu, que namoraram de 1999 a 2003, criaram o espaço exatamente por esse motivo: o de não saber o que fazer com todas as coisas que ficaram do relacionamento que não deu certo. Ao longo dos anos, diversas pessoas de coração partido foram contribuindo  com o acervo do museu. Há a vasilha d'água     representando as lágrimas derramadas, a cueca, as algemas cor-de-rosa, o ursinho, a camiseta vermelha, o molho de chaves e até mesmo um machado e um anão de jardim sem nariz. Os objetos expostos tem data de início e fim do relacionamento, além de uma breve história por trás do seu significado. Todos eles foram doados ao  "Museu dos Corações Partidos" representando o fato de que cada um tem o seu jeito de partir e se despedir.

Machados também sabem falar de amor
Tem esse curta-metragem chamado "O céu no andar de baixo" sobre o menino Francisco, que era apaixonado pelo céu e ao longo do anos descobriu que tinha apenas duas opções na vida: só poderia olhar para baixo ou olhar para cima. Por uma questão de "sobrevivência" ele optou por olhar para baixo a fim de evitar quedas e outros problemas durante o caminho. Aos doze, ele ganhou uma máquina fotográfica e desde então passou a fotografar o céu fazendo uma comparação à expressão das pessoas. “Há um céu para cada quando”, é.

E aí que em uma das suas fotografias a vida tomou um outro rumo e o levou a escutar as reflexões de um pé de manga espada sobre o amor. Compreendeu que qualquer árvore nesse mundo é exatamente igual a gente: cheia de folhas sorrindo para o sol e, ao mesmo tempo, com enormes raízes cobertas de segredos e coisas íntimas que só são vistas se cavarem fundo, e muito fundo. Concluiu ainda que o pé de manga espada é exatamente como todo o amor: cresce cheio de frutos e deixa enormes raízes dentro de nós.

"O Céu no Andar de Baixo"
Assim como o Francisco, eu fiquei pensando que todo mundo tem uma série de tocos e objetos ao longo do caminho, e que talvez o amor tenha mesmo esse processo que a árvore diz. Eu concluí que quando a gente para pra analisar tudo isso, vem aquela sensação de que é perigoso deixar qualquer coisa se enraizar. Por isso hesitamos diante das "sementes distraídas que aparecem ao acaso", e estão vindo logo ali para crescer de alguma forma. Às vezes eu acho que é melhor nem pensar nessa parte obscura que ninguém vê. Olhar para cima também é uma questão de sobrevivência, até mesmo quando não há mais folhas e flores para contar. As árvores são responsáveis por uma boa parte do respiro limpo do nosso mundo... novos pés de manga espada também.

Talvez passar pelo processo de crescimento de um novo sentimento sem pensar nos tocos, "podas" e objetos deixados para trás também seja uma questão de sobrevivência nossa ou do amor, sei lá. Cada um tem o seu jeito de partir e recomeçar. Existem mais de mil pessoas querendo ir ao encontro de um pé de manga espada no mundo, muito mais.

Letícia Cardoso

15 de maio de 2013

Outro texto sem destino

um texto para os meus amigos
Tempo Perdido by Legião Urbana on Grooveshark                                              

Estamos todos virando adultos. É, e não tem volta. Não esqueço daquele texto do Bernardo Biagioni se perguntando "Para onde estamos indo?" após seus três anos de profissão e de estrada. Estou nos meus primeiros meses de jornalismo, no trânsito às nove da manhã, nas trinta e algumas poucas horas a mais de trabalho por semana, nas peças de teatro, no "happy hour" com o pessoal do trabalho, nas festas dos amigos do colégio, no cinema em plena terça-feira e em todo lugar sem cansar de me perguntar: Para onde nós todos estamos indo?



E não é só comigo. É com o meu amigo radialista, a menina que quer trocar de curso e com o o cara que acabou de começar o TCC. É com o menino perdido em outra cidade e querendo voltar, com o que largou tudo para fazer um mochilão, com o que foi morar em Ipanema e "Nossa Lê, eu tô a-do-ran-do!". Essa dúvida também está batendo naquele que comprou o carnê do INSS, porque ainda não arranjou emprego fixo, com o que começou a pagar o empréstimo que fez no banco e também com o que reclamou do fato de precisar declarar o imposto de renda no ano que vem.

Na turma dos que se perguntam para onde estamos indo tem quem inventou uma desculpa e faltou no trabalho para emendar o feriado, tem o que não quis perder tempo e emendou a pós. Tem quem decidiu entrar na academia, começar a terapia, fazer um curso de cinema, trocar o guarda-roupa, virar blogueiro, criar um podcast, ter uma coluna no blog nerd e comprar o Iphone 5. Tem quem largou o jornalismo, a matemática, a engenharia de alimentos, o turismo e decidiu prestar o vestibular mais uma vez. Não tem ninguém querendo virar escritor, perder a melhor festa do ano, não conhecer uma garota legal ou perder o contato com o cara engraçado do trabalho.

São todos os meus amigos e estão todos indo para algum lugar. Ninguém sabe de verdade o que está acontecendo, mas todo mundo desconfia: estamos crescendo e estaremos sempre. Não sabemos para aonde exatamente o futuro vai dar, mas continuamos vivendo e sendo empurrados por essa vontade de ser feliz e ter coisas bonitas para contar.

Isso porque parar agora não vale e desistir agora não dá, nós todos caímos nesse presente incerto e acabamos de começar. Respirar fundo e decidir continuar seguindo em frente vai fazer toda a diferença no caminho, você vai ver. Mesmo sem saber com quem, fazendo o que, quando, onde, como ou por que.

Estamos todos virando adultos e eu tenho medo de ver alguém se cansar, desistir e decidir parar com tanta vida esperando o desenrolar da nossa história. É clichê dizer que a gente tem que tentar ser feliz? É, e não tem volta. Mas tudo bem,  ninguém se importa.

Letícia Cardoso

28 de abril de 2013

Chega de Saudade

Tom Jobim nos fez chorar. Não porque era Tom Jobim, não porque conheceu Vinícius, não porque cantou com Elis. Mas porque fez a gente ficar se perguntando se um dia teríamos um sentimento igual ao dele, bem esse que sai do peito e sempre vira algo bonito. 

Ontem, depois daquela lista musical de amores populares brasileiros, eu fui dormir pensando que os caras que sabem mesmo falar de amor são de muito antes. Muito antes de eu nascer, muito antes de Deus fazer você, muito antes de todas as coisas poéticas existentes agora. Não é mais novidade alguma falar de amor, e ainda sim ele continua inspirando o mundo afora. O sentimento está nos olhos, nos poros, nos muros e nas paredes do metrô. As pessoas estão sim cada vez mais dispostas a falar de amor. Você vê? 

Tom Jobim nos fez chorar. Não porque era Tom Jobim, não porque conheceu Vinícius, não porque cantou com Elis. Mas por tocar mais profundo que o Cazuza dizendo que sabia que por toda a vida iria amar. Por compôr os desencontros de Vinicius e usar o sorriso Elis para atestar que todos os caminhos sempre levam ao encontro de nós dois, mesmo que a gente escolha se perder uma, duas, três e mais uma vez depois.

E se você quiser montar o fundo e deixar a sua marca de quem entende a sensibilidade dos acordes sentimentais, coloque o Chico para tocar. Despreze as rimas e escolha o Buarque, porque na terceira ou quarta faixa ele compôs que não há motivos exatos e nem quantidade de tempo para se apaixonar por alguém:"Gostava dela, porque ela era ela e eu era eu". Foi assim, eu te encontrei e aconteceu.

Tom Jobim nos fez chorar exatamente porque era Tom Jobim. Por cantar um álbum inteiro em homenagem ao Vinícius, por chamar Elis para sorrir por todas as pessoas que chegam como uma nova esperança, bem aquelas que aparecem para acabar com uma lembrança ruim.

Porque no final das contas alguns amores só aparecem mesmo para nos amanhecer. Porque um dia a gente entende e se perdoa por gostar de alguém com tamanha facilidade. Porque você, meu amor de bossa nova, foi exatamente o que tinha de ser. Então... chega de saudade.

Letícia Cardoso

7 de abril de 2013

Descobrindo o seu próprio tom


Eu soube o que era um estetoscópio quando tinha sete anos. Na época eu quis ter um só para escutar o coração das pessoas que eu gostava, e acabei não contando para ninguém por algum tipo de medo bobo de todo mundo estranhar. Nenhuma criança da minha sala havia pedido um estetoscópio de Natal, então eu deixei esse desejo de lado e durante um bom tempo fui dormir imaginando como seria o som do coração do meu irmão.

Dia desses eu lembrei dessa vontade quando pensei que se eu fosse médica, eu seria cardiologista. Se eu fosse cirurgiã, optaria por consertar corações. Hoje sou jornalista, e não tenho dúvida alguma de que essa minha mania de escrever sobre sentimentos tem a ver com o fato de que um dia eu quis um estetoscópio só para escutar corações.

E de repente me bateu aquele desejo de infância de novo. Eu quis sair do trabalho e ir diretamente comprar um estetoscópio. Eu quis bater no quarto do meu irmão e finalmente saber como é o som do coração dele. Eu quis colocar o aparelho no peito e ver se há alguma diferença nas minhas batidas quando eu penso em determinadas coisas, e se isso me ajudaria a fazer boas escolhas. Eu quis me apaixonar por alguém e escutar o coração dessa pessoa apenas deitando a cabeça no peito dela, porque eu acredito de verdade que amar alguém também é saber escutar o coração dela sem aparelho algum e com todos os barulhos existentes no mundo.

Não sei se vendedores de estetoscópio pedem algum tipo de satisfação, mas e se o vendedor da loja estranhasse o meu pedido? E se ele me olhasse estranho quando eu dissesse "sim moço, é só pra saber o som do meu e do coração das pessoas que eu gosto"? Talvez nós dois ficaríamos dentro de algum tipo de silêncio incômodo durante os segundos em que ele me julgaria com o olhar, sem saber se é certo ou não me entregar o aparelho que ele segura firmemente com a mão direita. E durante esse tempo eu  me perguntaria se o vendedor já teve o seu coração escutado, se ele tem noção do que significa alguém querer escutar o seu e se ele acha bobo uma adulta formada em humanas querer um aparelho médico para essa finalidade. É estranho escutar o coração hoje em dia?

Na mais leve das hipóteses, ele riria da minha cara achando tudo aquilo meio bobo e eu fosse embora com a consciência de que é um pouco bobo sim, mas é uma coisa tão minha que ninguém tem nada a ver com isso. Hoje em dia eu sei que não tem problema algum pedir um presente de Natal diferente das outras crianças da classe, e ficarei contente se meus filhos descobrirem isso rapidamente. Se leva um bom tempo para perceber o quão pode ser bonito todas as coisas bobas, tolas e tão nossas.

E na hipótese mais otimista e simplista da minha história com o vendedor, ele seria simpático e falaria que outros clientes já haviam comprado um estetoscópio com a mesma finalidade. Que a venda do aparelho naquela semana havia sido baixa, por causa de uma remessa com defeito que foi entregue pelo fabricante. Os noticiários não estavam veiculando, mas parte da população andava com dificuldades de escutar os batimentos cardíacos das pessoas que elas amavam, porque uma das máquinas havia sido limpa com um teor mais alto de soda cáustica, o que atinge diretamente a captação dos sons graves dos aparelhos.

Então eu fecharia o pedido sabendo que não é preciso ser estudante de medicina, ter pressão alta ou estar doente para comprar um estetoscópio. Eu pagaria pelo meu aparelho rapidamente no caixa e iria para casa sabendo que os sons nunca serão os mesmos, porque um coração que sente afeto pela gente, ou é amado pelo nosso, sempre "toca" de um jeito diferente dos outros.

Talvez seja por isso que eu sempre quis um estetoscópio: em uma realidade palpável, eu conseguiria escutar o "toque único" existente dentro de cada um. Todos nós temos um tom próprio, e por mais que pareça bobo, eu me pergunto: quem estará disposto a escutar o nosso?

Letícia Cardoso

1 de abril de 2013

6.999.999

Sete bilhões de pessoas no mundo e você sente falta de uma que ainda nem conheceu.

15 de março de 2013

Seus filhos são jornalistas

Eu sei que me vendo aqui em cima com beca e diploma na mão, você deve estar achando que acabou. Que eu estou formado e o seu dever está cumprido. Que fui um bom filho e segui os seus conselhos, ou que talvez tenha seguido só metade deles, mas mesmo assim continuei sendo um bom filho. Acho que nesse momento deve estar passando uma série de coisas pela sua cabeça, como o primeiro dia em que eu coloquei a mochila nas costas e fiz o primeiro escândalo na porta da escola porque não queria entrar. Ou até mesmo porque diferente das outras crianças eu simplesmente entrei curioso com o novo lugar sem olhar pra trás, e você ficou se perguntando como eu naquele "tamanico" já conseguia te deixar. Deve estar passando também todas as vezes em que você se preocupou com as minhas notas e o que era necessário para que eu entendesse de física ou matemática. Pois é, aquela minha falta de aptidão para exatas era o primeiro indício de que eu seria jornalista. 

Pois bem, aqui estou. Entrei na escolinha com a minha mochila, consegui entender a matemática e me formei em Jornalismo. Falando assim até parece simples, mas não foi tão rápido e nem tão simples e muito menos tão vago. E digo que apesar da sensação de dever cumprido, não acabou, eu ainda preciso de você. Querendo ou não, eu ainda tenho aquela criança de três anos em mim e você continua tendo a mesma preocupação daquela época.


Talvez tenha demorado pra se acostumar com a ideia de que eu sou responsável pelas minhas decisões, talvez o medo de que as coisas deem errado tenha aumentado ainda mais por conta disso. Mas, eu te digo aqui de cima que eu acho que acertei e a sua confiança fez toda a diferença. Estou feliz não só porque consegui, mas também porque estou te dando orgulho. Eu te digo aqui de cima que essa coisa que sinto no peito vai além de todos os esforços que tive que fazer sozinho, mas também por todos os esforços que você fez comigo. Por isso, mais uma vez, seu dever ainda não está cumprido.

Obrigado por todos os dias e todas as noites até hoje. Obrigado por ter me ensinado a me importar com as pessoas e compreender o que cada um carrega dentro de si. Obrigado pela chance da vida, e por todos os conselhos para saber como lidar e seguir por ela.

 Talvez eu falte em alguns Natais ou viradas de Ano-Novo, mas eu sei que você vai entender e ter orgulho de todas as histórias que terei para colecionar. Dirá de boca cheia que seu filho é jornalista e está em algum canto provavelmente com fome, mas correndo contra o tempo no fechamento da reportagem ou contra o furo jornalístico. 

Há um tempo atrás você ficou com o coração apertado por me deixar meio período longe, mas as coisas melhoraram quando você percebeu que eu sempre ficava na porta da escola te esperando chegar. Isso de alguma forma vai continuar acontecendo. Dizem que a gente tem que criar os filhos para o mundo.. e eu digo que filhos criados sentem falta de casa. 

ps: Valeu por tudo M2!

Letícia Cardoso
Adriana Guimarães

10 de março de 2013

A vida é estranha I

Primeiro foi o Arthur, dizem que ele mudou a vida dela.

Arthur era um mineiro viajante descobridor de todos os pedaços e sentimentos do mundo. Tinha uma personalidade forte, tomava decisões rápidas sem muitas voltas e defendia que a sinceridade é sempre necessária. Seus bolsos eram cheios de rimas rabiscadas em guardanapos sobre todo mundo a ir atrás da sua própria liberdade. Lá no fundo e por trás de todas as risadas, Arthur era um pouco triste e profundo, mas ao mesmo tempo era mais vivo que todo mundo. Suas histórias do passado são densas o suficiente para ensinar que as coisas simples são as que contam, principalmente por causa dos momentos em que sofreu a  ausência delas. Tem gente que precisa sentir falta das coisas simples da vida pra perceber o quanto elas importam. Foi assim com Arthur e é assim com todo mundo. Leva-se um tempo para descobrir a hora certa de se viver as coisas e o que é importante nelas.

Bella era a paulista sorridente das fotografias, La Bella principessa tinha uma criatividade única na hora de preparar as próprias fotos. Tem aquele retrato das pernas mostrando uma parte da lingerie cor vinho, o beijo na rosa champagne evidenciando as unhas vermelhas e aqueles balões coloridos voando no céu fazendo a gente acreditar que ainda dá tempo de voltar a ser criança. A Bella, na verdade, era sempre muito sutil. Usava a fotografia para criar dúvidas e deixava o retrato sempre aberto para várias interpretações, porque queria esconder a sua nudez emocional. Acho sim que ela sonhava. Durante muito tempo, la Bella Principessa mergulhou nas relações até mesmo para parar de sonhar. Mas, se machucou bastante e passou a acreditar que o mundo não sabe lidar com emoções.

Os dois se cruzaram quando Arthur subiu no palco no meio da festa e tentou provar pra todo mundo o quanto a vida pode valer a pena quando você suga ela com todas as forças. Olhava diretamente nos olhos de Bella e não cansava de repetir "É bom viver pessoal, a gente tem que ser fiel ao que sente e ao que o destino coloca bem na nossa frente. Vai lá se jogar, não tem problema algum errar. Sentir dor faz parte do caminho e melhora quando gente continua seguindo. Experiências ruins existem desde que o mundo é mundo, e todo mundo precisa aprender a se libertar de todas as amarras e os medos que elas dão. Você tem que viver de verdade, viver realmente... entende?".


É claro que ele estava dando em cima dela, Arthur era um tremendo galanteador. Eu poderia chamá-lo de "galinha" se eu colocasse o pé no universo feminino, afinal ele coleciona casos amorosos e a maioria não tem um final benéfico para o lado mais frágil da relação. Mas, eu também poderia chamá-lo de filho da puta conquistador se eu colocasse o pé no mundo masculino, porque ele sempre consegue as melhores mulheres da festa e dos outros, deixando qualquer um sem entender o que esse conquistador filho da puta tem.

Há uma teoria de que "galinhas" colecionam mulheres apenas para satisfazer a própria sede e não se interessam nunca mais por elas, já os conquistadores são apaixonados pelos trejeitos femininos e tudo o que eles podem oferecer. Os galanteadores querem conhecer o gosto, saber se o perfume é o doce ou o forte, se bebe cerveja ou fica só no saquê, se tem a boa conversa ou só fala bobagem, se finge gostar de futebol pra agradar ou se vai atrapalhar os jogos do domingo. Essa teoria defende a ideia de que os "galinhas" vão embora, enquanto os galanteadores ficam por um tempo para conhecer melhor.

Colocando o pé no mundo masculino e no feminino, eu digo que todo mundo tem uma fase "galinha". Eu digo que "galinhas" podem se apaixonar e que conquistadores podem ter o coração partido e entrar na fase de não querer ter sentimentos fortes, porque às vezes eles só complicam as coisas. Eu digo que todo mundo é frágil, mulher ou homem. Eu digo que todos somos românticos e sonhadores, a diferença é que em algum momento o mundo te estraga. Ou te conserta, sei lá. Sendo "galinha" ou "conquistador filho da puta", não importa. No final das contas, você não vai precisar colocar rótulo algum na pessoa que quiser fazer a diferença na sua vida.

Bella não sabia se algum cara havia feito diferença em sua vida. Quer dizer... ela sempre deu tanta importância para os sentimentos que todos os caras a marcaram de alguma forma. Tinha histórias que qualquer mulher aos 23 anos poderia ter, mas eu não sei se qualquer mulher de 23 anos foi tão estupidamente legal com todos os homens de sua vida. E quando falo estupidamente legal, estou mencionando o fato de que Bella sempre se apaixonou e quis ser incrível até mesmo antes da pessoa mostrar que merece... e isso acaba sendo estupidamente legal. Só que agora as coisas estavam diferentes, Bella estava cansada de todos esses casos amorosos desconsertantes, com finais estranhos e desculpas aceitas com reações estupidamente legais. Acho que ela era meio sozinha e um tanto carente, os paulistas são assim. Na volta pra casa, pensou que aquele cara havia dito coisas importantes mesmo estando bêbado. Sentiu que talvez ele pudesse ser a sua história bonita, mas também poderia ser só mais uma delas. Em todo o caso, já não havia mais clima para escolher qualquer uma das opções. Bella não queria cansaços ou ter que lidar com joguinhos. Abdicou da ideia de imaginar enredos, mesmo com o cara bêbado parecendo o personagem perfeito para uma história bonita e pronta para ser eternizada em fotos criativas que ela mesma produziria. Não seria mais fácil se a gente olhasse nos olhos de alguém e já soubesse se vai sofrer ou não?

Descobri que a vida é estranha, mas pode valer a pena.


Continua...
Letícia Cardoso

24 de fevereiro de 2013

Eu quis fazer mais do que a maioria faz


Encontrei uma rosa no sótão de casa no meio das coisas antigas dos meus pais. Ela tinha treze anos, e ainda sim, se mantinha conservada entre todas as limitações existentes para uma flor durar. Era uma rosa grande com três espinhos no caule e de uma cor salmão meio ressecado pelo tempo. Ela era linda.

Quando eu era criança, eu descobri que uma flor guardada entre duas folhas sulfite demora mais para ressecar e perder a cor do que uma flor que é solta dentro de um livro. Percebi que uma flor protegida tinha muito mais importância do que uma colocada em uma página qualquer ou dentro da água para durar mais três dias. Acho que foi por isso que eu cheguei em casa e montei um envelopinho para guardar a sua florzinha.

Nada contra pessoas que colocam rosas em águas ou livros, isso até faz mais sentido e é o que a maioria faz. Só que eu não faço sentido algum e, por mais bobo que seja, faço sempre o contrário do que a maioria faz. Eu pensei em conservar a estrutura e a cor de uma flor que nasceu pra durar cinco ou sete dias e, no meio de tantas outras flores, foi pega por alguém e dada para outro alguém que pensou em uma forma de cuidar melhor dela, mesmo sabendo de todas as modificações que o tempo vai causar. Eu tenho isso de fazer de tudo para manter as coisas bonitas mesmo sabendo de todas as mudanças que a vida pode causar. Eu sinto carinho, eu quero ser incrível, eu quero cuidar. Mesmo sem saber se eu posso, mesmo sem saber se eu devo, mesmo com todos os espinhos que podem vir a me machucar.

Mas no final das contas, eu não cuidei tão bem da sua flor por causa da rosa salmão ou por causa do meu jeito sem sentido de sentir motivos para querer ser incrível com alguém. A grande verdade é que eu te guardei uma florzinha porque você se tornou importante e eu nunca soube muito bem como dizer isso. Eu entendo claramente sobre a importância das palavras, principalmente quando estamos em frente a alguém, mas a questão é que nenhum dicionário sabichão me ajudaria a dizer que eu te guardei uma florzinha porque, com você, eu não queria fazer o que a maioria faz. E sinto dentro de mim que você é o tipo de pessoa especial o bastante para merecer mais do que a maioria faz.

Eu quis te dizer que a protegi entre duas folhas sulfites, porque quis tomar todo o cuidado do mundo com a primeira parte que tive de você: uma flor com um bilhete. Eu quis te dizer que eu teria a mesma preocupação e cuidado com todas as suas outras partes pensando sempre na melhor maneira de cuidar delas, porque eu sou uma pessoa que guarda flores em envelopes e senti que valia a pena proteger uma por você.

Eu quis te dizer tanta coisa e não consegui, porque a verdade é que não sei lidar tão bem assim com as palavras. Então, eu só entreguei a sua florzinha no envelope e  não disse nada.

Letícia Cardoso

20 de fevereiro de 2013

Carta 24, we dreamed of paradise

Coldplay Paradise Official Video by Coldplay on Grooveshark

Foi no final do ano que eu sonhei algo para você bem depois daqueles meses confusos e difíceis. Havia um desconforto enorme ao pensar sobre as voltas do mundo, as pessoas e o que elas realmente querem com a vida. Além disso, existia a gente se perguntando se havíamos feito algo de errado ou se só nós nascemos com essa sinceridade e percepção da importância que algumas coisas tem. Por isso resolvi criar um sonho contigo bem na porta do novo ano, bem quando ele estava começando, bem quando a gente sente que tudo pode mudar para melhor. Eu quis fazer você acreditar que as coisas podem mudar para melhor.

No nosso sonho, você está com esse menino doce que gosta das suas bandas preferidas, que te acompanha na volta para casa e insiste em dizer que vocês são apenas amigos. No nosso sonho, esse cara para de enviar torpedos durante a viagem de final de ano e te aconchega com um abraço naquele barzinho da Augusta, enquanto escuta o meu cara falar sobre as bandas de rock que ele tanto adora. No nosso sonho, eu conto que você achou graça quando eu disse que me apaixonei rápido e te pedi pra não contar para ninguém, porque era diferente de qualquer coisa que eu já havia sentido. E então você ri, e conta que respondeu meu email falando que já gostava do meu cara porque ele poderia facilmente ser um personagem de Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva. E eu... eu nunca havia falado daquele jeito de alguém mesmo. E então os nossos caras nos abraçariam e a gente evitaria sair dali por algum tempo. Na verdade, a gente evitou sair desses pensamentos por alguns minutos. Você já encontrou alguém especial ao ponto de não querer sair do simples pensar nela?



O mais legal do nosso sonhar é que a gente não tinha ideia alguma do quanto a realidade pode ser camarada. Na realidade, você realmente está com esse menino doce que coloca as músicas da sua banda preferida pra tocar, que te acompanha na volta para casa pelo simples fato de que é muito bom ter a sua companhia e que agora diz que vocês são mais que amigos. Na sua realidade, esse cara parou de enviar torpedos durante a viagem de final de ano na praia e está te pedindo em namoro dentro de um barzinho na Augusta, enquanto você se segura para não sair pulando pelos carros deixando todo mundo saber quem é a mulher mais feliz desse mundo.

Acho que a vida parece um filme às vezes, e de alguma forma as coisas sempre acabam dando certo no final. Isso não faz parte de nenhum estudo científico e não tem nada a ver com esse meu jeito intenso de continuar acreditando nas coisas. É que eu acho que o destino é cheio dessas de mudar tudo do nada, e é exatamente por isso que eu acredito que vale a pena continuar seguindo e sonhando mesmo quando as coisas estão ruins, mesmo que o sonhar seja completamente sem compromisso.

Nós estávamos desapontadas e sonhamos sem compromisso na virada do ano só pra ficar tudo bem. Nem contávamos com um sentimento vindo de verdade, mas olha agora no que esse sonho deu... deu em você sorrindo com os dois pés na realidade.

Letícia Cardoso

31 de janeiro de 2013

Raspas e restos me interessam

Você com certeza está do outro lado da sala com aquele seu jeito de fazer graça. Eu não sei porque apareci, sabia? Talvez tenha sido para matar a saudade de te olhar, quem sabe? Segundo Guimarães Rosa "qualquer amor já é um pouquinho de saúde e um descanso na loucura". Não sei se qualquer amor é isso, mas deve ter algum fundo de verdade.

Em um universo paralelo e imaginário, você ainda está no meu mundo. Você ainda está existindo com todas aquelas possibilidades para nós dois. Eu posso voltar com a bebida e entrelaçar as minhas mãos nas suas, posso sentar na mesa e encostar a cabeça no seu ombro, porque o-dia-foi-pesado-e-no-meio-da festa-eu-quero-descansar-em-você. A gente pode até se jogar no sofá da sala e ficar falando banalidades engraçadas ou filosofando sobre o mundo enquanto voltamos para casa. Sonhar é permitido aqui, e faz um bem danado.

Por isso, eu espero que você esteja do outro lado da sala com aquele seu jeito de fazer graça. Eu quero te ver colocando a mão no rosto quando vai analisar alguma coisa e fazendo aquele segundo de silêncio antes de questionar, ou até mesmo, concordar com ela. Eu quero olhar você contando uma das mil e uma histórias que coleciona ou só te ver sorrindo enquanto os outros falam, principalmente porque contei pra todo mundo sobre você sorrindo, e sei que os mais chegados te adoram muito mais assim. A realidade é permitida aqui, e esse instante faz um bem danado.

Talvez você me olhe por um tempo, talvez eu te olhe por outro tanto de tempo. É o que eu preciso e foi por isso que apareci, na verdade foi só por esses detalhes que eu vim aqui. Descobri que os pequenos pedaços ou até mesmo aquelas coisas que a gente ainda pode se apegar também são um pouquinho de saúde e um descanso na loucura. E não é qualquer amor que nos deixa isso. Será que Guimarães Rosa concordaria comigo?

Letícia Cardoso

21 de janeiro de 2013

Carta 23

Story Of A Man by Tiago Iorc on Grooveshark
"Eu fico olhando essa nossa foto na rede de balanço e tento pensar no que estávamos conversando. Olhando assim com jeitinho para aquela minha cara de menina, eu poderia apostar que não estávamos falando sobre nada e tudo o que eu queria era ficar no seu colo quietinha te vendo rir e debochar de qualquer coisa em volta.

Não lembro do que escrevi da última vez. Na verdade eu lembro, eu só não quero ter que ir lá reler. Isso porque as coisas mudaram muito nos últimos tempos e não consigo imaginar como você se sente quanto a isso. A gente nunca consegue imaginar direito como uma pessoa se sente quanto a alguma coisa, o que é ruim, já que ficamos só com ideias e suposições. Seria muito mais tranquilo pra cabeça, e também para o coração, se pudéssemos sempre saber sinceramente como uma pessoa se sente quanto a alguma coisa. Que coisa? Qualquer uma.

Cresci, e acho que nos últimos dois anos eu cresci mais do que a vida inteira. Na verdade, eu me tornei adulta e estou passando por aquela fase que todo mundo passa quando descobre que as coisas nunca mais serão as mesmas. Passei um ano inteirinho querendo apenas ver o que a vida tinha para me dar e acabei descobrindo que não é assim que se vive. Você encontra o seu lugar no mundo quando decide realmente jogar as cartas de corpo inteiro dentro dele.

Claro que algumas das nossas decisões causam sofrimento, mas isso não significa que as erradas vieram para nos fazem sofrer.. sentir dor faz parte do caminho, e decidir o que fazer para mudar as coisas também. Não acredito que apenas rezar, ter pensamentos positivos ou seguir o percurso a espera de algo que te salve vá ajudar alguma coisa. Eu aprendi na marra que não tenho a chance de pegar a caneta e escrever a minha própria história, mas posso muito bem decidir o que fazer quanto à todas as mudanças inesperadas de parágrafos. A gente arrisca e aprende a lidar com o que vier. Consequências são sempre consequências, e você tem que recebê-las de frente sem fugir para lado algum. Não é tão fácil, mas também não é tão difícil. Você perde o fôlego, mas sempre volta a respirar quando decide continuar seguindo custe o que custar.

"Ninguém vai te bater mais forte do que a vida.
Não importa o quanto você bate, mas sim o quanto aguenta apanhar e continuar lutando,
o quanto pode suportar e seguir em frente. É assim que se ganha."

A questão é que eu só escrevi para dizer que eu entendi o propósito de que ninguém nasceu apenas para "estar no mundo", e que ninguém deve passar pela vida sem descobrir isso. Agora que o ano voltou a ser um começo, eu preciso dizer que não quero mais perder fôlego algum. Chega uma hora em que a gente já sabe como se volta a respirar. 

Aproveita a viagem desse final de semana e vem comigo descansar de tudo e olhar o mar. Eu já aprendi até a mergulhar para ajudar o meu coração a descansar. Não sei se o dia estará nublado ou o mar bravo, mas quero deixar claro o meu desejo de estar lá rindo e debochando de qualquer coisa em volta. 

A vida já sabe que eu sempre vou atrás das coisas que posso ir, e que também já aprendi a deixar as que infelizmente devo deixar. Todo mundo nasceu para continuar seguindo com as cartas que recebe do mundo, e de realista para realista: é assim que você disse que as coisas voltariam a funcionar.


Feliz Ano Novo, e até a próxima."

Letícia Cardoso

11 de janeiro de 2013

A saudade que pediu permissão para não existir

Kiss Me by Ed Sheeran on Grooveshark

Hoje a saudade sentou no pé da cama e me perguntou se deveria existir. Ela disse que tem andado por todos os cantos da casa nos últimos dias sem saber do meu futuro e isso incomodou a sua permanência por aqui. Foi então que ela entrou no meu quarto, olhou nos meus olhos e perguntou se realmente deveria estar ali.

Antes de falar sobre mim e todas as outras vezes em que esteve presente na minha vida, ela começou a explicar o quanto é difícil viver na Terra do Sentir Falta. Descobri que há uma série de saudades espalhadas pelo mundo como se fossem anjos, cada uma com a missão de nos tocar em determinadas horas. Elas andam conosco, se identificam com alguns trechos dos nossos livros, escolhem a música que toca inesperadamente no carro e visitam todos os lugares que a gente tem vontade de voltar, mas não pode ir. Descobri que essa é a principal função da saudade: ir aonde nós não podemos ir.

As leis democráticas obrigam os cidadãos saudadianos a nos fazer aprender a importância de viver a vida com totalidade. A constituição exige que eles se relacionem diretamente com os nossos sentimentos, de modo que seja possível sentir o que sentimos para nos fazer descobrir que determinadas coisas são importantes. A missão mais leve imposta a eles é a de nos tocar de vez em quando para trazer algum tipo de alegria ou acalmar o nosso coração. Já a pior missão de todas é ensinar um ser humano rebelde a dar um sentido à existência saudadiana. Isso porque o sentido de algumas saudades é exatamente esse: a de que elas precisam existir para que a gente possa descobrir o quanto precisamos matá-las. 

As missões mais complicadas são acompanhadas pelo Ministério da Justiça Nostálgica, órgão responsável por olhar as histórias humanas e exigir que a melancolia interfira no processo quando o caso for muito complicado. O objetivo é fazer com que alguns seres humanos aprendam a importância em deixar o orgulho e outros sentimentos confusos de lado para fazer a coisa certa. Que coisa certa? Só a saudade responsável por cada um de nós pode responder.

Hoje a saudade sentou no pé da cama e me perguntou se era prudente deixar ela existir. Quis saber quando eu pararia de ser  um humano rebelde que disfarça o que sente e faria o que é certo fazer. Eu não soube muito bem o que responder, porque no meu mundinho ela sempre foi coisa que se sente, se dói e se espera passar. Além disso, toda vez que senti alguma falta, confiei que o tempo faria algo para ajudar.

Ela se surpreendeu com a minha resposta e disse que o tempo dessa vez poderia não me oferecer ajuda alguma. Cortou o meu coração quando disse que no Mundo do Sentir Falta, as saudades que não provocam um final feliz são condenadas a serem tristes, e que se eu não percebesse logo o sentido da sua existência nós duas iríamos nos machucar por um tempo.

Hoje a saudade entrou no meu quarto e resolveu me acordar. Me colocou contra a parede quando perguntou se realmente não havia mais o que fazer, se não dava mais mesmo para tentar. Colocou todos os meus pedaços no chão quando olhou nos meus olhos e perguntou como que os seres humanos aguentam quando uma saudade é condenada a ser triste, e irrevogavelmente, obrigada a ficar.

Letícia Cardoso

5 de janeiro de 2013

Expor, tentar de novo e seguir em frente

Your Side Now by Trent Dabbs on Grooveshark

Estranhei quando o médico tirou os curativos no segundo dia pós-cirúrgico e deixou a minha cicatriz exposta como se fosse apenas um corte no joelho. Eu não poderia colocar band-aid e nem tampar com outra coisa, bastasse que lavasse bem com água, sabão e usasse uma pomadinha de nada.

A ideia de que alguém me abriu e entrou dentro de mim fez eu ficar com receio daquele corte exposto, principalmente quando a dor me fazia checar se todas as camadas existentes da pele ainda estavam fechadas. Eu queria me proteger de um jeito melhor e parar tudo por uns dois meses, mas ainda havia a recomendação de andar para desinchar a região. "Eu vou ter que andar sentindo dor, doutor? Jura?"

E aí, que as coisas foram mais simples do que eu achava. No final das contas, cuidar da cicatriz da minha cirurgia foi como lidar com todos os cortes que a gente nunca vê. Bem aqueles que já podem ficar expostos e a gente não sabe. A diferença é que eu tinha um profissional graduado e qualificado para me dizer qual era o jeito certo de curar as coisas, diferente dos cortes que médicos não podem lidar tanto assim.



A questão é que alguns processos de cicatrização dependem muito do quanto que a gente permite que o corte seja exposto, ou até mesmo do quanto alguém nos faça confiar de que ele vai sarar sem aquelas proteções que a gente quer colocar quando dói, ou já doeu muito. Por mais que a gente queira se proteger melhor e parar tudo por uns dois meses, o único remédio que nos dão é seguir em frente e deixar o tempo resolver as coisas, que é o mesmo que água, sabão e uma pomadinha de nada. Você vai ter que andar e fazer todas as outras coisas com essa dor, mas vai passar. Sim, eu juro.

Não há um profissional graduado e qualificado para dizer que estamos todos cicatrizados o suficiente para voltar à ativa, mas sempre aparece alguém que estranhamente começa a lidar com os nossos cortes. Lida de uma maneira que nos faz querer voltar para a cama só de pensar em alguém entrando e cortando de novo, e ao mesmo tempo faz a gente se sentir muito melhor do que antes, quando ninguém havia chegado tão perto ou não existia possibilidade alguma de alguém entrar.

O tempo fez algum efeito e agora as coisas estão diferentes, há uma pessoa nova e o fato de que alguns processos de cicatrização também dependem do quanto a gente permite se expor, tentar de novo e seguir em frente.

Letícia Cardoso