12 de novembro de 2014

O amor é um porre em plena terça-feira

Ainda by SILVA on Grooveshark

Ontem eu saí para beber com o Thiago. Isso porque há duas semanas ele me convidou para conversar sobre as coisas que a gente faz quando se apaixona por alguém. Com os nossos dois ou três anos de amizade, foi a primeira vez que saímos para discutir o fato de que nos consideramos adultos que não levam jeito algum para relacionamentos amorosos. 

Entre uma história e outra, ele me contou de quando viajou seis meses pela Europa e mandou 15 cartões postais, um de cada cidade, para a menina que ele gostava. E, no final, ela não ficou com ele. Já eu, contei a história do livreto que fiz para o cara que me apaixonei e, no final, também acabei não ficando com ele. Abri ali, naquela mesa de bar de esquina, as páginas de um livreto artesanal com três ou quatro textos que escrevi, ingressos de lugares que fomos, fotos de viagens, entre outras coisas. Algo que, diferente dos cartões postais do meu amigo, não foi entregue. No meu caso, as coisas acabaram antes mesmo de eu finalizar o meu livro ou me dar conta do fim. Então, ficamos eu, o Thiago e o meu livreto incompleto na mesa daquele boteco pensando em qual parte do caminho a gente erra tentando ser incrível com alguém para que essa pessoa decida por ir embora.

E foi mais ou menos o que eu conversei com o meu amigo no bar. Entre uma porção de batatas e alguns copos de vinho, ele me entregou o diário de sua viagem para que eu pudesse acompanhar a trajetória de seus seis meses longe do Brasil, somada à ideia dos cartões postais. Me pediu desculpas pela parte em que chama as europeias de “gostosas” ou sobre os comentários quanto aos “peitinhos deliciosos” e “bundas redondinhas” das moças. Tenho certeza que ele se apaixonou muitas vezes por lá. 

Ao mostrar o meu livreto – que não tinha nem capa -, eu tive que explicar que o título se referia ao fato de que o meu cara tocava blues. Mencionei que a primeira página estava em branco porque eu planejava incluir um trecho de Jorge Ben Jor, e que o pôster na segunda página tinha a ver com o primeiro filme que fomos assistir.

Enquanto ele lia os meus textos, eu disfarçava o meu desconforto lendo a primeira história de um de seus moleskines, sobre um alemão bêbado que não parava de levar bronca da aeromoça, por dar indícios de que queria molestar a passageira ao seu lado. Disfarçava, porque era um pouco vergonhoso para mim alguém ler o tanto de sentimento que existia naquelas páginas que não foram entregues, então eu só me concentrei no diário de viagem que ele me emprestou.

Agora, depois de tudo, o meu amigo quer os quinze postais de volta. Já mandou mensagem duas vezes, mas a menina responde que não tem tempo de encontrá-lo para entregar. Na mesa, quase um tanto alcoolizados, chegamos a duas hipóteses: Se a moça for uma filha da puta - porque, assim como os homens, mulheres também às vezes são -, ela jogou tudo fora. Entretanto, se ela não for, talvez não queira entregar os cartões, porque eles trazem uma lembrança bonita.

Ao terminar de ler o meu livreto incompleto, o Thi comentou sobre o último texto e me perguntou se algum dia eu entregaria tudo aquilo para a minha inspiração. “Não sei, o que você acha?”, perguntei. “O que você faria se recebesse?”, ele disse. “Não sei, o que você faria?”, retruquei. “Também não sei”, ele rebateu. E ficamos os dois sem saber o que faríamos se esse tipo de coisa acontecesse conosco, ou se alguém nos enviasse quinze postais de cada cidade que passou. “Mulher é um bicho complicado” constatou ele. “Você fala isso porque nunca se envolveu com um homem”, rebati. Concordarmos um com o outro e brindamos a última tequila da noite.


Já na porta de casa, eu sinto o meu coração pesado e a cabeça latejando devido à minha falta de costume com bebidas alcoólicas. Entro no banho refletindo que o meu amigo merecia ter sido correspondido, mas depois chego a conclusão de que, apesar de tudo, ele deve ser feliz com apenas esta condição: a de realmente ter sido sincero e marcado a vida de alguém com um gesto bonito que, dificilmente, será esquecido.

Enquanto escrevo essas coisas, fico matutando se há algum sentido em sentar na cadeira e finalizar uma história que eu não queria nem que tivesse acabado. Há pontos finais que são difíceis mesmo de se colocar. Talvez seja por isso que eu ainda não preparei uma capa ou escrevi aquele capítulo sobre como é viver em um mundo fodido de coisas ótimas e coisas péssimas, e ainda assim, querer ser alguém que diz “te amo” - baseado em um trecho de “Feliz Ano Velho”, do Marcelo Rubens Paiva.

Sem decidir sobre finalizar ou entregar o livro, eu me arrasto pelo quarto para apagar a luz e sinto o corpo completamente cansado. “Amor é um porre em plena terça-feira”, penso. E deito lembrando que preciso acordar cedo no dia seguinte para ir trabalhar. Desprezo as duas ou três lágrimas que teimam em descer pelo rosto e pego no sono com a cabeça pesada e o coração latejando.

Isso porque, lá no fundo, eu sei que a minha dificuldade em terminar a nossa história está no fato de que você ainda existe, vivo e pulsando, dentro do meu peito e da minha memória.

Letícia Cardoso

6 de novembro de 2014

"Mas se um dia eu me der bem, vai ser sem jogo"

"Meu caminho nesse mundo, eu sei, vai ter um brilho incerto e
louco dos que nunca perdem pouco, nunca levam pouco.
Mas, se um dia eu me der bem, vai ser sem jogo."


Tem sempre uma fase da vida que a gente acredita que o ser humano não gosta de certezas, e que a grande verdade de tudo é que ele gosta e se prende onde há dúvidas. Existe uma fase na vida em que a gente acredita que é isso o que nos move, que nos tira do lugar, que nos faz não querer ser mais do mesmo. Em alguns pontos da vida, pode até ser, mas em outros não.

Há um tempo, eu tive a impressão de que em algumas circunstâncias a gente tem que ficar quieto. Em alguns momentos a gente tem que engolir os sentimentos e escondê-los como se fosse crime dizer que quer voltar, que não quer terminar, que sentiu saudades durante aquela viagem de duas semanas ou simplesmente evitar escrever "Nossa, são três e meia da manhã e eu estou mandando uma mensagem para dizer que acordei às três e vinte e nove e comecei a pensar em você.". Às vezes a gente engole esse tipo de coisa com medo de estragar tudo ou se abrir demais, porque algumas pessoas foram embora depois que você falou sobre os seus sentimentos. Sem contar o número de situações em que falar o que sentia não mudou muita coisa.

"E se não der certo, meu coração é esperto.
Não vai parar de bater"
Por isso que eu digo para você que sentou naquela mesinha e abriu o seu coração: eu jurava que você não existia mais. Eu apostava fácil o meu salário que te encontraria em outro planeta ou só naqueles roteiros cinematográficos. Eu digo para quem ligou no meio do nada. Para quem teve receio e, ainda assim, foi sincero com o que sentia. Para quem ensaiou aquela mensagem e conseguiu mandar: eu queria confessar que eu achava que você não existia mais, não. 

É que sei lá. Algumas vezes a gente lida com as coisas como se elas tivessem jeito certo e errado de ser, como se a vida não fosse mais complicada do que isso. Quase todo mundo entra no recinto fazendo aqueles truques com o olhar pra chamar atenção e mostrar que talvez tenha um corpo e - mais talvez ainda - um coração à sua espera. Só que mesmo com todas as possibilidades de talvez entregar o corpo e - mais talvez ainda - o coração, o olhar cheio de truques evita ligações, mensagens e todo o resto calculando algum tipo de controle de sentimentos. Como se os afetos pudessem realmente ser controlados, e essa postura evitasse machucados ou aumentasse o interesse alheio de alguma maneira.

Conhecer alguém não pode mais ser algo natural, algo que envolva simplesmente a vontade de andar juntos pelos caminhos e ver lá na frente o quanto você quer se comprometer. Parar em alguma esquina, e descobrir um conforto em retirar todos os muros que você construiu para se proteger. Arriscar e abrir quem você é para alguém que pode ir embora amanhã, ou que poderia ter ido embora hoje, mas decidiu ficar.

É pela demora e dificuldade de viver tudo isso que, em algumas fases, a gente acredita que o ser humano não gosta de certezas, e que a grande verdade de tudo é que ele gosta e se prende onde há dúvidas. Em alguns pontos da vida, a dúvida pode até nos mover e fazer algum sentido, mas em outros ela é um completo desperdício de tempo e energia. Não dizer, não correr atrás, esconder e fazer alguns truques pode até te manter em um espaço seguro - ou como é mesmo que falam? Ah, dominante! - , mas ao que exatamente se destina?

As coisas podem dar erradas ou certas quantas vezes elas quiserem, porque incrível mesmo é quem não desiste de ser quem é. E ah, se um dia a gente se der bem, vai ser sem jogo.

Letícia Cardoso

7 de agosto de 2014

Pipa do futuro


Meu projeto é te levar pra Natal quando completarmos um ano. Ou não. Quem sabe uma pequena e boa viagem no próximo mês? Deixar o desconforto e os danos para trás. Decidir pegar a estrada com você mais uma vez.

Quero te levar para a Praia da Pipa. Te olhar ao meu lado e não saber se todo o mar esverdeado ganham de você sorrindo. Talvez sim. Talvez não. Só o meu lado piegas-exagerado-apaixonado sabe sobre você rindo, sentindo e sendo sentido no meu coração. Te ver tocando algum blues em frente ao mar são duas paisagens feitas para se completar.

Se é preciso coragem para ir a mar, eu digo que as ondas quebram pra gente sair da areia e ir mergulhar. Se todo amor vem no vento e depois vai a mar, eu digo que uma hora a gente se enamora, que eu quero te enamorar. Se o que interessa e faz diferença é a  profundidade do mergulho, eu digo que o prazer é maior quando você decide nadar e se entregar. Ele existe lá no fundo.

A verdade é que eu quero o ontem, o hoje e o depois. Quero a felicidade de saber que existe um amanhã nos seus planos para nós dois. Quero viajar pra Natal quando completarmos um mês, deixar as malas prontas, os danos de lado, tentar outra vez. Quero sentar contigo na areia de Pipa pra no final da tarde, ou afinal de contas, te escutar dizendo que fica.


Letícia Cardoso

31 de julho de 2014

"Puta Merda", disse Vinicius de Moraes

Hoje a Intensidade caiu do céu. Ela estava lá em cima na nuvem mais animada tomando um whisky com Vinicius de Moraes, quando ouviu a Sensibilidade gritar da nuvem do Cazuza que o Cartola havia chegado pra cantar um samba de amor. O Poetinha ficou tão animado que levantou de supetão e tropeçou na Intensidade, que pisou em falso no canto da nuvem e caiu aqui: no Planeta Terra.

"Puta merda", disse Vinicius de Moraes

Uma das vezes em que essa sensação desceu dos céus e analisou a humanidade foi em plena época de ditadura. Havia tanta gente querendo mudar as coisas, que os sentimentos mais corajosos foram diretamente acionados pelo Criador para impulsionar instantaneamente os seres humanos a viverem suas vontades, direitos e sonhos.

Após os anos 60, por exemplo, a sociedade sofreu um "boom" de mudanças diretamente ligadas à busca dos seres humanos sobre si mesmo. Todos os relatórios e estudos divinos apontam que, na época, houve uma necessidade muito grande de a humanidade descobrir o seu lugar no mundo. Não que isso tenha mudado muito agora, claro.

Pois bem. Hoje a Intensidade caiu dos céus e ficou feliz ao encontrar a Liberdade passeando pela Avenida Paulista, e a escutar falando sobre as boas novas dos terrestres. Esta desceu para a Terra com o objetivo de criar a geração hippie e nunca mais subiu aos céus. Chegou no Criador e simplesmente disse que aqui embaixo poderia fazer muito mais pelo mundo, do que sentada nas cadeiras douradas vendo tudo acontecer de longe e esperando algum tipo de ordem ou permissão para algo. A Liberdade - Deus soube assim que a tirou do forno - simplesmente não tem dessas coisas.

Andando pelas ruas, as duas viram a Solidão acompanhando um trompetista que ganhava a vida tocando Miles Davis. Esta, só consegue ser feliz na Terra quando há para quem voltar. Do contrário, ela é capaz de viver e ficar perdida no meio da multidão acompanhando mil pessoas ao mesmo tempo. Mesmo assim, não dá para saber quando uma Solidão é realmente triste. 

Após algumas cervejas, Liberdade e Intensidade discutiram sobre o orgulho de ver o quanto as coisas avançaram e mudaram na Terra, mas foram interrompidas por algumas verdades que a Solidão jogava na mesa. Aparentemente, a sociedade tinha muito mais espaço para ser o que quisesse, mas ainda haviam muitas repressões silenciosas e questionamentos morais injustos. A tecnologia estava avançada e a velocidade da informação cada vez mais rápida, mas ainda existia um certo problema com a veracidade das coisas, e com a necessidade de se desligar de tudo para viver o tempo presente. E amar... ah, amar continua sendo a coisa mais importante e complicada do mundo. E às vezes essa complicação machuca, porque é muito difícil se permitir ser vulnerável. Para amar e para se complicar, é muito difícil se permitir ser vulnerável no mundo.

Antes de questionar e explicar algumas coisas sobre o amor, a Intensidade sentiu que estava levitando e percebeu que suas asas estavam começando a nascer, graças ao Departamento das Causas Urgentes e Divinas, acionado por Vinicius de Moraes. Então ela subiu devagarinho aos céus sem explicar o que a gente tem que fazer para o amor dar certo hoje em dia. Não explicou nem o que é dar certo hoje em dia. Liberdade e Solidão só conseguiram escutar ela gritando "Apenas pule pra dentro e viva", mas não sabiam dizer ao que ela estava exatamente se referindo. A Intensidade tem sempre dessas coisas de impulsionar todo mundo a fazer o que puder e o que quiser sem pensar muito.

Após a confusão, Vinicius de Moraes organizou uma reunião de emergência com todas as almas sensíveis e sinceras que subiram aos céus nos últimos anos para a chegada da Intensidade. Lá na frente estava Noel Rosa e Adoniran Barbosa palpitando sobre a mais nova canção de Lupicínio Rodrigues. Mais no canto estava Saramago, Mario Quintana e Drummond conversando sobre a simplicidade das gotas da última chuva. E lá, bem lá no fundo, estava uma turma mais barulhenta com Cazuza e Tim Maia olhando Elis contar como tinha encontrado Jair Rodrigues e Rubem Alves na portinha de entrada.

"Peço silêncio a todos" - disse a Intensidade - "Como vocês sabem, eu caí acidentalmente esta manhã e voltei agora a noitinha. Longe de querer ser arrogante, afinal a arrogância está vivendo na Terra, eu tenho uma lista de necessidades que a sociedade precisa e que ficará na porta de saída dos céus para todos decorarem".

Sem saber qual era o propósito daquilo, Saramago questionou:

"Então há um modo certo de se viver? Por que a gente não sabe disso ou encontra as regras lá embaixo?
"Porque não há", disse a Intensidade. " É só que eu acredito muito fortemente que todos serão ainda mais felizes se pularem para dentro das coisas sem medo, levando sempre em conta o que carregam no coração com toda a sinceridade e calma. Até o Tempo vai ser fortemente acionado para esse projeto".

O silêncio e a expectativa atingiu a sala enorme que não sabia como apenas uma lista resolveria tudo, e nem qual seria o desfecho da história ou resolução das coisas. Então, diante de tantos olhares questionadores, a Intensidade olhou no relógio e anunciou que por causa de tudo o que havia observado aqui embaixo, estava na hora de todos voltarem para a Terra.

 "Puta Merda", disse Vinicius de Moraes

Letícia Cardoso

17 de abril de 2014

A vida inteira de um homem

Nunca na minha vida achei que seria literária ao ponto de ler Dostoiévski. Mas, em uma dessas idas e vindas ao teatro – aliás, nunca achei que trabalharia com teatro – eu me deparei com um espetáculo inspirado no livro "Noites Brancas", em que o autor da peça ficou fascinado pela questão de Dostoiévski: “Um minuto inteiro de felicidade. Não basta isso para encher a vida inteira de um homem?”.

Eu não sei exatamente quando é que a gente pode deixar a razão entrar. E nem tão pouco sei se a gente tem mesmo que proibir a emoção de se instalar, ficar a vontade na nossa morada e guardar uma escova de dente no nosso armário pra quando precisar ficar. Eu sempre me pergunto se o que sobra, e importa, no final da vida são todas as decisões racionais que tomamos diante dos nossos sentimentos ou se são aquelas em que a gente se perde e vive.

Quando é exatamente que a gente está se perdendo? E a partir de que momento a gente começa a viver? Nunca achei que viveria um amor em que há um total desprezo por todas as convenções sociais que determinam os relacionamentos. Ou talvez eu não tenha desprezado, mas sim escolhido não pensar muito sobre isso por alguma experiência traumática que trouxe uma incômoda e infinita certeza da própria finitude das coisas.

O problema é que, como em diversos momentos na vida, a gente às vezes sente o sonho se esvairindo e a realidade tomando quietinha o seu lugar. Há uma constatação medrosa de que a razão está fazendo cada vez mais visitas, e que durante a sua momentânea estadia, vem preparando o terreno para se instalar. E é então que todas as emoções se entristecem e perdem o próprio espaço, porque como o velho ditado diz: dependendo da situação, a razão e a emoção não conseguem morar no mesmo lugar.

A gente nunca sabe quando está se perdendo, geralmente essa percepção ocorre quando a gente já se perdeu. Partindo disso, há duas escolhas: aquela racional que aponta o caminho do seu sentimento, e aquela em que você percebe que não há outro jeito a não ser assumir o risco e ir viver as coisas, nem que seja pra descobrir no final da vida se o que vale mesmo é se perder e viver, como os mais velhos sempre nos dizem.


Hoje eu fiz um esforço para lembrar a última vez em que fui feliz, e descobri que foi ontem, quando você me acalmou com dois beijos e depois aninhou minha cabeça no seu peito.

E mesmo com todas as incertezas, mesmo com a maioria das coisas se desenrolando tão inesperadamente, e até mesmo com o fato de que eu nunca achei que seria literária ao ponto de ler Dostoiévski: foi um minuto inteiro de felicidade. Basta isso para encher a vida inteira de um homem?”.

Letícia Cardoso


25 de março de 2014

Sentir simples


inspirado em "Ser"

Troquei o dia pela noite durante umas duas semanas. Escrevi umas quatro ou cinco páginas três dias depois. Me empanturrei de todos os doces que haviam no armário na primeira noite e tentei esquecer nas duas últimas festas que fui.

Ontem tudo me lembrou você. Desde a música que tocou no rádio do carro até aquele pedaço azul de céu resistindo no meio daquelas nuvens cinzas e carregadas de chuva. Desde o personagem do livro até a nova estagiária confundindo o nome do entrevistado. Desde aquele texto sobre sinais e fazer as pessoas felizes da Clarice Côrrea até a nova música do Nando Reis.

Tenho ficado mais em silêncio do que o normal. E no fim do dia quando o chuveiro limpa o corpo, a água borra a maquiagem e o pijama traz conforto, eu encontro você e todo esse meu jeito que só sabe ser sincero, sem voltas ou reviravoltas. E a minha saída é ser camarada comigo mesma e costurar algumas peças para cobrir essa minha nudez emocional, enquanto eu disfarço todo esse sentimentalismo clichê deixando os últimos quatro ou cinco textos para mais tarde. Meu nú anda coberto de receios de mostrar o que sente, porque eu não sei o que aconteceu com aquela coisa que me ensinaram sobre ser transparente.

Escrevo para agradecer, para dizer que estou indo, e que vou voltar a seguir por essa vida errando como é certo do meu jeito irreparável de acreditar e ser. Ser sentindo tudo verdadeiro simples.

Letícia Cardoso

12 de fevereiro de 2014

A hora do sim é o descuido do não

"...e apesar de tudo eu penso sim, 
eu digo sim, eu quero Sins"
Caio F Abreu em "Extremos da Paixão"

Sempre admirei essas pessoas que conseguem esperar pelos sentimentos dos outros, ou até mesmo aguardar a ferida desse outro passar. Pra mim, elas são todas corajosas, altruístas e extremamente pacientes. Das histórias que eu conheço, muita gente permaneceu e conseguiu chegar lá: no sim.

Mas aí, eu fico me perguntando: Como eles fizeram? Como eles conseguiram esperar pelo outro com a incerteza do que poderia acontecer? Ou melhor, como eles conseguiram deixar o próprio passado de lado e ignorar as possíveis complicações futuras e solitárias, caso o sentimento do outro não nascesse ou a ferida não fosse curada? Alguns processos alheios são muito íntimos e solitários pra gente querer dar conta.

Isso porque eu sempre enxerguei que relacionamento é uma mão de via dupla, uma questão de reciprocidade. Não dá pra dirigir nessa estrada sozinho, pelo menos não durante muito tempo. E os que dirigem sozinhos estão, na maioria das vezes, indo em direção a alguém. Ou fugindo de outro alguém. Sim, porque nós às vezes temos disso de entrar em relações que nos ajudem a esquecer pessoas. Não que isso seja errado ou não possa dar certo. Pelo contrário, dirigir fugindo de alguém pode realmente funcionar. Afinal, a gente nunca sabe o que vai acontecer ou quem vai encontrar na estrada. 

Mas, quem cuida das nossas feridas quando a esperança acaba? O que a gente faz quando o outro não vem na nossa direção? Quem fica por nós quando já não importa mais qualquer tipo de prêmio, e sim quem vamos encontrar na linha de chegada? 

O ponto aqui é que talvez eu não esteja fazendo as perguntas certas, ou até mesmo não esteja enxergando a verdade das respostas. É difícil pensar sobre esperar pelos sentimentos dos outros, ou dar-lhes algum tempo e espaço para as feridas sararem, porque fazer isso é conseguir ignorar os próprios medos e frustrações pela possibilidade de encontrar esse outro no final. Algo que também pode não acontecer. É aquela eterna coisa de plantar e colher no qual muitos se machucam sem entender as voltas que o mundo dá, e outros conseguem realmente chegar lá.

Não sei, talvez a lição seja não desistir. Talvez a gente tenha mesmo que ficar até o final pra ver no que vai dar. Talvez a questão seja que não há outro jeito a não ser permanecer e arriscar. Mas, como os que conseguiram sabiam que um dia esse outro diria sim? Como a gente sabe quando deve esperar ou quando deve desistir? Certeiro mesmo foi Drummond resumindo o motivo de toda espera, tentativa ou falha em uma simples e importante busca. "Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor, há a procura medrosa e paciente de mais e mais amor". É.

E apesar de todos os vazios, eu ainda espero, eu acredito, eu me dedico, eu acabo procurando - medrosa e paciente - pelo sim.

Letícia Cardoso

2 de janeiro de 2014

"Eu temo se um dia me machuca o verso"

E sobre essa mania de falar de amor, eu nem sei de onde vem ou o que explicar.
Pois quando me beijaram eu virei poeta, mas já tinha rimas prontas antes de amar.