15 de março de 2013

Seus filhos são jornalistas

Eu sei que me vendo aqui em cima com beca e diploma na mão, você deve estar achando que acabou. Que eu estou formado e o seu dever está cumprido. Que fui um bom filho e segui os seus conselhos, ou que talvez tenha seguido só metade deles, mas mesmo assim continuei sendo um bom filho. Acho que nesse momento deve estar passando uma série de coisas pela sua cabeça, como o primeiro dia em que eu coloquei a mochila nas costas e fiz o primeiro escândalo na porta da escola porque não queria entrar. Ou até mesmo porque diferente das outras crianças eu simplesmente entrei curioso com o novo lugar sem olhar pra trás, e você ficou se perguntando como eu naquele "tamanico" já conseguia te deixar. Deve estar passando também todas as vezes em que você se preocupou com as minhas notas e o que era necessário para que eu entendesse de física ou matemática. Pois é, aquela minha falta de aptidão para exatas era o primeiro indício de que eu seria jornalista. 

Pois bem, aqui estou. Entrei na escolinha com a minha mochila, consegui entender a matemática e me formei em Jornalismo. Falando assim até parece simples, mas não foi tão rápido e nem tão simples e muito menos tão vago. E digo que apesar da sensação de dever cumprido, não acabou, eu ainda preciso de você. Querendo ou não, eu ainda tenho aquela criança de três anos em mim e você continua tendo a mesma preocupação daquela época.


Talvez tenha demorado pra se acostumar com a ideia de que eu sou responsável pelas minhas decisões, talvez o medo de que as coisas deem errado tenha aumentado ainda mais por conta disso. Mas, eu te digo aqui de cima que eu acho que acertei e a sua confiança fez toda a diferença. Estou feliz não só porque consegui, mas também porque estou te dando orgulho. Eu te digo aqui de cima que essa coisa que sinto no peito vai além de todos os esforços que tive que fazer sozinho, mas também por todos os esforços que você fez comigo. Por isso, mais uma vez, seu dever ainda não está cumprido.

Obrigado por todos os dias e todas as noites até hoje. Obrigado por ter me ensinado a me importar com as pessoas e compreender o que cada um carrega dentro de si. Obrigado pela chance da vida, e por todos os conselhos para saber como lidar e seguir por ela.

 Talvez eu falte em alguns Natais ou viradas de Ano-Novo, mas eu sei que você vai entender e ter orgulho de todas as histórias que terei para colecionar. Dirá de boca cheia que seu filho é jornalista e está em algum canto provavelmente com fome, mas correndo contra o tempo no fechamento da reportagem ou contra o furo jornalístico. 

Há um tempo atrás você ficou com o coração apertado por me deixar meio período longe, mas as coisas melhoraram quando você percebeu que eu sempre ficava na porta da escola te esperando chegar. Isso de alguma forma vai continuar acontecendo. Dizem que a gente tem que criar os filhos para o mundo.. e eu digo que filhos criados sentem falta de casa. 

ps: Valeu por tudo M2!

Letícia Cardoso
Adriana Guimarães

10 de março de 2013

A vida é estranha I

Primeiro foi o Arthur, dizem que ele mudou a vida dela.

Arthur era um mineiro viajante descobridor de todos os pedaços e sentimentos do mundo. Tinha uma personalidade forte, tomava decisões rápidas sem muitas voltas e defendia que a sinceridade é sempre necessária. Seus bolsos eram cheios de rimas rabiscadas em guardanapos sobre todo mundo a ir atrás da sua própria liberdade. Lá no fundo e por trás de todas as risadas, Arthur era um pouco triste e profundo, mas ao mesmo tempo era mais vivo que todo mundo. Suas histórias do passado são densas o suficiente para ensinar que as coisas simples são as que contam, principalmente por causa dos momentos em que sofreu a  ausência delas. Tem gente que precisa sentir falta das coisas simples da vida pra perceber o quanto elas importam. Foi assim com Arthur e é assim com todo mundo. Leva-se um tempo para descobrir a hora certa de se viver as coisas e o que é importante nelas.

Bella era a paulista sorridente das fotografias, La Bella principessa tinha uma criatividade única na hora de preparar as próprias fotos. Tem aquele retrato das pernas mostrando uma parte da lingerie cor vinho, o beijo na rosa champagne evidenciando as unhas vermelhas e aqueles balões coloridos voando no céu fazendo a gente acreditar que ainda dá tempo de voltar a ser criança. A Bella, na verdade, era sempre muito sutil. Usava a fotografia para criar dúvidas e deixava o retrato sempre aberto para várias interpretações, porque queria esconder a sua nudez emocional. Acho sim que ela sonhava. Durante muito tempo, la Bella Principessa mergulhou nas relações até mesmo para parar de sonhar. Mas, se machucou bastante e passou a acreditar que o mundo não sabe lidar com emoções.

Os dois se cruzaram quando Arthur subiu no palco no meio da festa e tentou provar pra todo mundo o quanto a vida pode valer a pena quando você suga ela com todas as forças. Olhava diretamente nos olhos de Bella e não cansava de repetir "É bom viver pessoal, a gente tem que ser fiel ao que sente e ao que o destino coloca bem na nossa frente. Vai lá se jogar, não tem problema algum errar. Sentir dor faz parte do caminho e melhora quando gente continua seguindo. Experiências ruins existem desde que o mundo é mundo, e todo mundo precisa aprender a se libertar de todas as amarras e os medos que elas dão. Você tem que viver de verdade, viver realmente... entende?".


É claro que ele estava dando em cima dela, Arthur era um tremendo galanteador. Eu poderia chamá-lo de "galinha" se eu colocasse o pé no universo feminino, afinal ele coleciona casos amorosos e a maioria não tem um final benéfico para o lado mais frágil da relação. Mas, eu também poderia chamá-lo de filho da puta conquistador se eu colocasse o pé no mundo masculino, porque ele sempre consegue as melhores mulheres da festa e dos outros, deixando qualquer um sem entender o que esse conquistador filho da puta tem.

Há uma teoria de que "galinhas" colecionam mulheres apenas para satisfazer a própria sede e não se interessam nunca mais por elas, já os conquistadores são apaixonados pelos trejeitos femininos e tudo o que eles podem oferecer. Os galanteadores querem conhecer o gosto, saber se o perfume é o doce ou o forte, se bebe cerveja ou fica só no saquê, se tem a boa conversa ou só fala bobagem, se finge gostar de futebol pra agradar ou se vai atrapalhar os jogos do domingo. Essa teoria defende a ideia de que os "galinhas" vão embora, enquanto os galanteadores ficam por um tempo para conhecer melhor.

Colocando o pé no mundo masculino e no feminino, eu digo que todo mundo tem uma fase "galinha". Eu digo que "galinhas" podem se apaixonar e que conquistadores podem ter o coração partido e entrar na fase de não querer ter sentimentos fortes, porque às vezes eles só complicam as coisas. Eu digo que todo mundo é frágil, mulher ou homem. Eu digo que todos somos românticos e sonhadores, a diferença é que em algum momento o mundo te estraga. Ou te conserta, sei lá. Sendo "galinha" ou "conquistador filho da puta", não importa. No final das contas, você não vai precisar colocar rótulo algum na pessoa que quiser fazer a diferença na sua vida.

Bella não sabia se algum cara havia feito diferença em sua vida. Quer dizer... ela sempre deu tanta importância para os sentimentos que todos os caras a marcaram de alguma forma. Tinha histórias que qualquer mulher aos 23 anos poderia ter, mas eu não sei se qualquer mulher de 23 anos foi tão estupidamente legal com todos os homens de sua vida. E quando falo estupidamente legal, estou mencionando o fato de que Bella sempre se apaixonou e quis ser incrível até mesmo antes da pessoa mostrar que merece... e isso acaba sendo estupidamente legal. Só que agora as coisas estavam diferentes, Bella estava cansada de todos esses casos amorosos desconsertantes, com finais estranhos e desculpas aceitas com reações estupidamente legais. Acho que ela era meio sozinha e um tanto carente, os paulistas são assim. Na volta pra casa, pensou que aquele cara havia dito coisas importantes mesmo estando bêbado. Sentiu que talvez ele pudesse ser a sua história bonita, mas também poderia ser só mais uma delas. Em todo o caso, já não havia mais clima para escolher qualquer uma das opções. Bella não queria cansaços ou ter que lidar com joguinhos. Abdicou da ideia de imaginar enredos, mesmo com o cara bêbado parecendo o personagem perfeito para uma história bonita e pronta para ser eternizada em fotos criativas que ela mesma produziria. Não seria mais fácil se a gente olhasse nos olhos de alguém e já soubesse se vai sofrer ou não?

Descobri que a vida é estranha, mas pode valer a pena.


Continua...
Letícia Cardoso