27 de abril de 2011

Bilhete de um segundo

Nunca vou esquecer de quando você abriu os olhos e eu disse o quanto eu te amava e admirava, e principalmente, o quanto eu queria ser forte com a vida igual a você. Então, você virou um pouco a cabeça, deu um leve e quase imperceptível sorriso, daqueles que se a gente não prestar atenção não vai perceber, e me olhou de um jeito que a minha cabeça na hora ouviu você dizer: "Eu também Lê".

21 de abril de 2011

Às nove da noite

Ele ficou parado naquela porta comigo pedindo para que eu não descesse. Eu olhava aquele seu jeito simples, cavalheiro, gentil e arrumado que eu tanto admirava. Um homem de andar calmo e firme, toque doce e palavra sábia de quem já viveu histórias incríveis com muita coisa para contar.

"Espera alguém voltar, aí você entra comigo". Eu escutei aquilo como se fosse uma criança me dizendo que está com medo do escuro, aquele homem do meu lado estava frágil e só eu estava ali. Incrível, eu descobri que este homem passa o dia inteiro pensando o que vai fazer às nove da noite.

Então ele entrou e eu fui junto. Andamos por aquele corredor pequeno, claro e gelado com um cheiro forte e tão característico que nenhum outro lugar tem, mas que a gente até se acostuma depois de um tempo. Durante a nossa pequena caminhada pude ver a rapidez e a tristeza daquele andar. Consegui sentir a sabedoria daquele homem e toda uma força que ele está tirando não sei de onde para esperar todos os dias o relógio marcar: nove da noite.

Depois do pequeno corredor, entramos em um salão enorme. Cheio de outras pessoas que esperam dar nove da noite e cheio de outras pessoas esperando alguém às nove da noite. Aquele homem lavou bem as mãos, secou e foi de encontro ao que ele quer ver sempre naquele horário. Disse: "Bem, estou aqui. Eu vim te ver e estou com saudades. Comprei carne no supermercado e espero que você melhore para comê-la logo. Fiz a minha barba, pintei o meu cabelo sozinho, mês que vem você pinta pra mim, tá? Você tá me ouvindo? Nossos gatos estão 'malinando' em casa, você tem que voltar logo para dar um jeito neles. E o papagaio, bem, ele chama o dia inteiro por você. Abre os olhos pra mim. Isso bem, abriu os olhinhos, que linda..."

Era o meu avô. Sorrindo e vibrando com cada sinal que a minha avó dá dentro da UTI. Contando coisas simples do dia a dia de um casal que viveu 56 anos juntos. Aquele homem tão amoroso e reservado estava lá sorrindo e rindo na minha frente com o que o amor da vida dele fazia com o maior esforço do mundo. E eu ali parada pensando sobre tudo aquilo, enxergando o quanto todo mundo que estava ali esperava por alguém. Alguns chorando, outros sorrindo, poucos conversando e quase a maioria em silêncio.

Até que o horário de visitas acabou e meu avô andou por aquele corredor que agora não parecia mais tão gelado, nem tão claro. Nem o cheiro daquele lugar incomodava mais. Enquanto esperávamos o carro, ele encostou a cabeça nos meus ombros e disse "O vô tá sofrendo tanto nesses últimos dias, filha". Era ele frágil e amável, de novo.

Então eu o abracei e entendi que o amor dele era o mais bonito do mundo. Ele está frágil e entristecido, mas forte e doce. E quando a gente ama alguém, a gente tenta fazer o nosso melhor, tenta parecer o mais forte possível, mesmo que ás vezes a gente precise deitar nos ombros de alguém depois. A gente espera todos os dias dar nove da noite, pedindo a Deus que a pessoa que a gente ama dê algum sinal de vida, dê algum sinal de amor. A gente faz o melhor que a gente pode, porque aquela pessoa lá dentro vale a pena.

E no dia seguinte, ele vestiu a sua melhor roupa e ficou lá esperando. Se era um dia bom ou ruim, se ela abriria os olhos ou não, se as notícias seriam boas ou ruins ele não sabia, mas estava lá esperando. Era ele, seus 56 anos de companheirismo e o relógio... que já apontava nove da noite.

17 de abril de 2011

Detalhes II


Hoje eu percebi o quanto todos os detalhes da nossa vida conseguem sobreviver a qualquer coisa. Eles vivem dentro e em volta da gente o tempo todo. Eles aparecem de repente em qualquer lugar, seja em um canto de metrô, um canto do cinema, um canto dentro do peito. Eles ficam por perto mesmo que acabe, mesmo que mude, mesmo que o nosso principal foco seja esquecer.

Porque tudo o que é importante e verdadeiro, seja uma palavra bonita, um abraço apertado, uma viagem ou um amor grande, nós guardamos as pequenas coisas. Talvez o tempo apague, mesmo que devagarinho, todos os detalhes que guardo em mim, todos os detalhes desses cantos no caminho. Mas esse talvez é tão pequeno e tão detalhe que não vai impedir da vida e de todos os cantos e das outras histórias fazerem eu me lembrar de vez em quando, ou, de nunca esquecer.

Hoje eu percebi o quanto as coisas mais importantes conseguem sobreviver. Eu percebi que alguns dos seus (ou nossos) detalhes nunca vão embora, mesmo que você já tenha partido.
Porque os detalhes tem sido a minha maior companhia ultimamente e talvez eles se percam em algum ponto do caminho no futuro. Mas esse talvez também é só um detalhe e por isso, os seus (e nossos) detalhes permanecem aqui. Eles estão por perto mesmo que tenha acabado, mesmo que quase tudo tenha mudado, mesmo que o nosso (ou só meu, ou só seu) principal foco seja esquecer.

10 de abril de 2011

Do outro lado da porta


O hospital é o melhor lugar para se aprender a ter humildade com a vida. É onde se percebe o quão frágil e delicada ela é. Você descobre o quanto é importante cuidar de todas as pessoas que te amam e é onde você se torna agradecido por todas as pessoas que cuidam de você.

Eu ando da UTI cirúrgica até o berçario todos os dias e me pergunto: como podem haver diferentes níveis de vida em um só lugar? Há uma coisinha pequeninina na minha frente que nunca foi machucada, que está descobrindo o prazer do colo de mãe e do outro lado há pessoas que já se machucaram, que já criaram uma história, que estão lutando pela vida.

A única coisa que iguala esses dois departamentos que eu caminho todos os dias são as pessoas que esperam do outro lado da porta. Por isso, repito: o hospital é o melhor lugar para se descobrir o quanto é importante segurar as pessoas certas na sua vida. Não deixar elas irem embora. É onde você se torna agradecido por ser cuidado, por ser amado. É onde você vê quem vale a pena e quem realmente importa.

É onde você descobre quem estaria todos os dias te esperando do outro lado da porta.

2 de abril de 2011

Mãos

Sinto uma falta enorme das suas mãos agora. De quando eu puxava a sua pele enrugadinha e ficava esperando ela descer. Sinto falta de quando você pedia pra eu fazer as suas unhas e passar duas, três mãos de base na sua unha doente. Eu escolhia sempre a melhor da loja só pra ouvir você dizer na semana seguinte "Ela melhorou lê". Sinto falta de abrir a sua mão na minha e passar levemente os meus dedos no seu só pra sentir os seus calinhos, os seus ossinhos saltados e a maciez que ela tem.

Eu sempre gostei de mãos, e não quero a sua longe de mim agora.