31 de julho de 2014

"Puta Merda", disse Vinicius de Moraes

Hoje a Intensidade caiu do céu. Ela estava lá em cima na nuvem mais animada tomando um whisky com Vinicius de Moraes, quando ouviu a Sensibilidade gritar da nuvem do Cazuza que o Cartola havia chegado pra cantar um samba de amor. O Poetinha ficou tão animado que levantou de supetão e tropeçou na Intensidade, que pisou em falso no canto da nuvem e caiu aqui: no Planeta Terra.

"Puta merda", disse Vinicius de Moraes

Uma das vezes em que essa sensação desceu dos céus e analisou a humanidade foi em plena época de ditadura. Havia tanta gente querendo mudar as coisas, que os sentimentos mais corajosos foram diretamente acionados pelo Criador para impulsionar instantaneamente os seres humanos a viverem suas vontades, direitos e sonhos.

Após os anos 60, por exemplo, a sociedade sofreu um "boom" de mudanças diretamente ligadas à busca dos seres humanos sobre si mesmo. Todos os relatórios e estudos divinos apontam que, na época, houve uma necessidade muito grande de a humanidade descobrir o seu lugar no mundo. Não que isso tenha mudado muito agora, claro.

Pois bem. Hoje a Intensidade caiu dos céus e ficou feliz ao encontrar a Liberdade passeando pela Avenida Paulista, e a escutar falando sobre as boas novas dos terrestres. Esta desceu para a Terra com o objetivo de criar a geração hippie e nunca mais subiu aos céus. Chegou no Criador e simplesmente disse que aqui embaixo poderia fazer muito mais pelo mundo, do que sentada nas cadeiras douradas vendo tudo acontecer de longe e esperando algum tipo de ordem ou permissão para algo. A Liberdade - Deus soube assim que a tirou do forno - simplesmente não tem dessas coisas.

Andando pelas ruas, as duas viram a Solidão acompanhando um trompetista que ganhava a vida tocando Miles Davis. Esta, só consegue ser feliz na Terra quando há para quem voltar. Do contrário, ela é capaz de viver e ficar perdida no meio da multidão acompanhando mil pessoas ao mesmo tempo. Mesmo assim, não dá para saber quando uma Solidão é realmente triste. 

Após algumas cervejas, Liberdade e Intensidade discutiram sobre o orgulho de ver o quanto as coisas avançaram e mudaram na Terra, mas foram interrompidas por algumas verdades que a Solidão jogava na mesa. Aparentemente, a sociedade tinha muito mais espaço para ser o que quisesse, mas ainda haviam muitas repressões silenciosas e questionamentos morais injustos. A tecnologia estava avançada e a velocidade da informação cada vez mais rápida, mas ainda existia um certo problema com a veracidade das coisas, e com a necessidade de se desligar de tudo para viver o tempo presente. E amar... ah, amar continua sendo a coisa mais importante e complicada do mundo. E às vezes essa complicação machuca, porque é muito difícil se permitir ser vulnerável. Para amar e para se complicar, é muito difícil se permitir ser vulnerável no mundo.

Antes de questionar e explicar algumas coisas sobre o amor, a Intensidade sentiu que estava levitando e percebeu que suas asas estavam começando a nascer, graças ao Departamento das Causas Urgentes e Divinas, acionado por Vinicius de Moraes. Então ela subiu devagarinho aos céus sem explicar o que a gente tem que fazer para o amor dar certo hoje em dia. Não explicou nem o que é dar certo hoje em dia. Liberdade e Solidão só conseguiram escutar ela gritando "Apenas pule pra dentro e viva", mas não sabiam dizer ao que ela estava exatamente se referindo. A Intensidade tem sempre dessas coisas de impulsionar todo mundo a fazer o que puder e o que quiser sem pensar muito.

Após a confusão, Vinicius de Moraes organizou uma reunião de emergência com todas as almas sensíveis e sinceras que subiram aos céus nos últimos anos para a chegada da Intensidade. Lá na frente estava Noel Rosa e Adoniran Barbosa palpitando sobre a mais nova canção de Lupicínio Rodrigues. Mais no canto estava Saramago, Mario Quintana e Drummond conversando sobre a simplicidade das gotas da última chuva. E lá, bem lá no fundo, estava uma turma mais barulhenta com Cazuza e Tim Maia olhando Elis contar como tinha encontrado Jair Rodrigues e Rubem Alves na portinha de entrada.

"Peço silêncio a todos" - disse a Intensidade - "Como vocês sabem, eu caí acidentalmente esta manhã e voltei agora a noitinha. Longe de querer ser arrogante, afinal a arrogância está vivendo na Terra, eu tenho uma lista de necessidades que a sociedade precisa e que ficará na porta de saída dos céus para todos decorarem".

Sem saber qual era o propósito daquilo, Saramago questionou:

"Então há um modo certo de se viver? Por que a gente não sabe disso ou encontra as regras lá embaixo?
"Porque não há", disse a Intensidade. " É só que eu acredito muito fortemente que todos serão ainda mais felizes se pularem para dentro das coisas sem medo, levando sempre em conta o que carregam no coração com toda a sinceridade e calma. Até o Tempo vai ser fortemente acionado para esse projeto".

O silêncio e a expectativa atingiu a sala enorme que não sabia como apenas uma lista resolveria tudo, e nem qual seria o desfecho da história ou resolução das coisas. Então, diante de tantos olhares questionadores, a Intensidade olhou no relógio e anunciou que por causa de tudo o que havia observado aqui embaixo, estava na hora de todos voltarem para a Terra.

 "Puta Merda", disse Vinicius de Moraes

Letícia Cardoso