26 de novembro de 2012

As histórias por trás do seu travesseiro


Lembra daquela aula de expressões artísticas em que o seu professor te mostrou alguma obra na apostila e você ficou se perguntando como aquilo poderia ser considerado arte? Alguns podem mencionar "A Fonte" de Marcel Duchamp, que é aquele mictório invertido e assinado que vale três milhões de euros. Mas, eu lembro de "Ninguém" que é apenas um travesseiro bordado pelo artista brasileiro Leonílson. Além de eu nunca ter esquecido essa imagem, eu demorei alguns anos para entender o que o artista queria tanto expressar sobre nós e por quê eu deveria considerar que "Ninguém" é uma obra de arte.



E você sabe por que eu a considero uma obra de arte? Porque eu acho que ela tem muita coisa a dizer. "Ninguém" me faz pensar em quem se deita sozinho e tem um milhão de sonhos antes de dormir, me faz imaginar todas as pessoas que arrumam travesseiros para caber com alguém ali e das que afundam o rosto para achar algum resto de perfume. Eu lembro de quando a gente viaja e não o consegue deixar em casa, de todos que já brincaram de guerra de travesseiros na infância e de quem deita e apenas sente falta de alguém. 

Parece bobo imaginar isso, mas eu aposto que você já viveu qualquer uma das coisas que mencionei. Leonílson escolheu "escrever nos desenhos, ao invés de escrever nos cadernos" quando se apaixonou e quis expressar o que sentia apenas desse jeito. E assim o fez com uma série de outras obras desde que optou usar a escrita de uma forma diferente dos outros artistas, e esse era o seu diferencial.

Eu não sei quais são as vivências que Leonílson quis passar enquanto bordava "Ninguém", mas penso nas que eu fui colecionando ao longo dos anos. Tem o meu irmão, que sempre ocupa todo o travesseiro e me obriga a assistir TV deitada no colo dele. Tem o cheiro de creme de rosto que a minha mãe usava antes de me colocar para dormir e eu pegava no sono achando que tinha morangos por perto. E tem aquele namorado que insistia em arrumar o travesseiro para me deixar com mais espaço. E mesmo que não tenha dado certo, e mesmo até que eu tenha perdido um tanto de encanto, eu nunca esqueci que ele era um cara que arrumava travesseiros. 

E com essa minha coisa boba de imaginar diversas situações para um travesseiro virar obra de arte, eu bato o pé e aposto que você pelo menos concordou comigo quanto a todos os sonhos que a gente tem antes de dormir e o quanto isso é especial. E que agora você pode deixar de lado aquela coisa de "apenas um travesseiro assinado" e se basear na hipótese de que o artista entrou no quarto, sentou na cama e apenas quis falar tudo o que você também já sentiu.

Se ele queria expressar que "se sentia como ninguém", eu não sei. Se ele estava tentando ter os restos de alguma noite, eu nunca vou saber. Se ele apenas estava sentindo falta de alguém e só encontrava um vazio, não dá para provar. Mas que arte é a expressão de sentimentos humanos e que alguma história ele quis contar ali, eu tenho certeza. Travesseiros são cheios de restos de pessoas importantes, cheios de silêncios, imaginação e sons. Eles tem tudo para virar arte, principalmente porque são capazes de contar algumas coisas de nós.

18 de novembro de 2012

Entre vírgulas


eu, achei que, você era o amor mais bonito. E foi desse jeito mesmo, cheio de vírgulas e pontos e palavras inseridas na frente de qualquer coisa que pudesse evitar que eu dissesse que: eu, estava achando que, você assim, você aí na frente sim, era o amor mais bonito.

" - I love you.
- You don't have to say it just because I said it."

Lembra o show daquela banda que você gosta? Usei os benefícios da minha profissão para te fazer entrar no camarim. Isso porque, eu pensei, como você se sentiria. Claro que seria bem legal conhecer o cara que escreveu todas as canções que você fica cantarolando quando está distraída e não percebe que estou te observando vindo tomar achocolatado no meu sofá dentro daquele seu pijama largo, mas eu escolhi ver você voltando daquele corredor sem acreditar no que aconteceu.

"- É engraçado esse negócio que você tem de dizer as coisas em inglês no meio das frases.
- Às vezes eu fico enrolando para terminar uma palavra ou ideia também, já percebeu?
- Ah, mas isso é só quando você está falando sobre algo que sente, só"

Você já parou pra pensar no medo que todas as pessoas tem de sentimentos? Eu passei umas duas horas  naquele bar conversando sobre isso. E meu amigo aposta que me encantei por não poder te ler. Pelo fato de, você, não dar as respostas que eu estou acostumado a ouvir. Pelo fato, de eu, só conseguir falar sonoramente sobre sentimentos assim: entre tantas vírgulas.

Isso acontece por eu não querer que as palavras saiam de uma vez. É como se eu não quisesse dizer agora, bem agora, o que eu já disse tanto nas outras vezes. E disse tanto porque significava para mim, mas até hoje não sei se fez muito sentido para os outros. Sabe o que é pior do que não receber um eu te amo sincero? Não descobrir se alguém na sua vida já recebeu com sinceridade o seu.

"- Para, você reflete demais sobre as coisas. Isso faz mal.
- Isso é inevitável bonita, e vem desde a morte do Mufasa na minha infância"

 E aí que eu fiquei repassando na minha cabeça você voltando do camarim e me abraçando. Eu fiquei pensando em você, assim, toda assim de pijamas listrados e meias coloridas sendo o amor mais bonito que já esteve no meu sofá, na minha sala e na minha vida. Mesmo sem eu ou você mesma saber. Mesmo sem assim ser, ou ainda não ser.

Foi só um pensamento em você como tantos outros pensamentos existentes no mundo. Foi só alguns planos que fiz para conseguir dizer sem qualquer dificuldade de terminar as sílabas ou colocar  vírgulas, o que eu queria poder te dizer.

"- Eu disse porque eu acredito. Não pela pressa, não pelo tempo ou amarras ou todas as coisas que dizem. Eu disse porque eu sou de expressar as coisas. Mesmo entre vírgulas, sem terminar sílabas ou refletindo até quando isso vai valer a pena... então I, love, you."

9 de novembro de 2012

Você já foi um espermatozoide mais inteligente

"Se, a dois segundos antes de entrar no útero, fosse possível descobrir o quanto a vida é difícil, você hesitaria?"

Texto meu no Papo de Homem, pessoal. Leia o resto aqui.

"Missão ejaculada é missão cumprida, parceiro"

4 de novembro de 2012

A gente sempre deixa de cuidar do que já tem na mão


Nunca entendi a necessidade que os meus avós tinham em regar a horta duas vezes ao dia nos períodos de calor. Eles sempre separaram algum tempo da tarde para checar se a terra estava fofa, se nenhuma larva estava ameaçando o crescimento ou se as galinhas haviam pulado os portões durante a noite para comer o pé de couve.

Além do fato de que regar a horta duas vezes em dias mais quentes garante os alimentos que teremos algum tempo depois, os meus avós criavam algum tipo de afeto com todas as cebolinhas, cenouras, batatas,  cheiro verde ou qualquer outra planta que crescia naquele pedaço de terra. Parece bobo pensar assim, mas eu acredito que eles criaram algum tipo de amor e respeito pelo ciclo mais sincero da vida humana: você colhe o que planta. Tá certo que algumas cenouras e batatas nascem menores que as outras, mas isso não prejudica muito. Há sempre uma batata melhor crescendo embaixo da terra, só é preciso confiar no cuidado que você dá e merece de volta. 

Eu aprendi desde cedo que as relações humanas são como a horta do quintal dos meus avós. A gente tem que cuidar direito e criar um tipo de amor e respeito por tudo o que planta e colhe da vida. Tem que colocar a mão na terra sem medo de se sujar, checar como anda o crescimento, cuidar da invasão das larvas, galinhas ou ervas daninhas e não esquecer de regar. Regar sempre, do jeito certo e o necessário, principalmente porque tudo o que se planta sente sede, e você não pode esquecer disso. Às vezes, a gente rega pouco e não se preocupa quando o clima muda.

Nós temos essa coisa de entrar no piloto automático e esquecer de alimentar a horta que a gente vai construindo ao longo da vida. Mas, por mais que a terra adore o toque das nossas mãos, ela não vai nos dar o alimento que queremos se nós não dermos a atenção e o cuidado que ela precisa.  E se você não cuidar das pessoas que tem por perto, elas podem ir embora e não estarem aqui quando qualquer parte sua sentir sede ou fome. E elas estarão totalmente certas em não dar os frutos que você quer, mas sim, os que você merece.

Não sei se a  necessidade em regar a horta duas vezes ao dia nos períodos de calor sofreu um certo tipo de influência do que os noticiários diziam sobre o aquecimento global, mas sei que os meus avós levavam muito em conta o que sentiam quanto ao clima do dia, ou quanto ao que viam quando saíam pela janela de manhã. E essa preocupação em cuidar de toda a vida existente ao redor era uma coisa especial só deles, que eu tive o prazer de aprender a notar. E eu acho que o mundo seria um pouco melhor se as outras pessoas tivessem essa mesma característica. 

Eu não acredito nas voltas do mundo, ou naquela coisa de que todas as pessoas que te fizeram mal terão o mesmo mal de volta. Mas eu acredito nessa coisa de plantar, cuidar, colher, aceitar as cenouras menores que a terra te dá mesmo sem você merecer e confiar que as batatas melhores virão na próxima plantação.

Meus avós estão juntos há 56 anos e rodeados de pessoas que os admiram muito. Acho que eles sempre souberam cuidar - e continuar cuidando - de tudo o que plantaram durante o caminho, até mesmo com todas as mudanças e indecisões climáticas dos últimos anos. Talvez isso signifique muita coisa.