20 de março de 2015

Calma e um grama de paz, meu rapaz

Hoje o sol entra no signo de Áries, o primeiro signo do zodíaco, e por causa disso começamos um novo ano astral. O que isso significa? Segundo a teoria do místico que eu conheci, toda a energia difícil do ano anterior foi embora de vez e as portas estão abertas para o que 2015, regido por Marte - o planeta da ação, determinação e agressividade - tem a nos oferecer. É preciso tomar cuidado com as brigas na rua e brigas em casa. O novo ano zodiacal será decisivo para a Política, então também será preciso cuidado com as pessoas que não sabem discutir sobre ela. Mesmo com a regência de um planeta nada suave, 2015 será um ano melhor que 2014. É o que os místicos dizem.

Não sei se é verdade, afinal, é a primeira vez que me coloco atenta a observar sobre essas diferenças, porém, sou aberta a tudo o que é novo, bom, e ao acreditar que de algum jeito alcançamos os nossos sonhos. Então, decidi acreditar em mais um renascimento energético, fora os nossos aniversários e viradas de ano, torcendo para toda a positividade do mundo chegar até nós. 

Há um crônica do Drummond que discute tudo o que desejamos quando há, de fato, data marcada para recomeçar. Exatamente como os nossos aniversários, Ano Novo e esse tal de Ano Astral. Em “Vacina de Ano Novo”, Drummond indaga muitos desejarem paz e amor para a próxima fase. Primeiro, porque paz é um voto muito ambicioso. Se há paz, por exemplo, não haverá amor, porque este é o contrário prazeroso e complicado da paz. Então, o poeta sugere uma emenda para esse desejo: meia paz ou um grama de paz.

Quanto ao amor, Drummond argumenta que é errôneo desejar isso ao próximo, porque o sentimento não existe em uma prateleira de probabilidades disponível e ao nosso dispor. Ele acontece e nos atropela. Então, o poeta sugere uma emenda para esse desejo: no máximo, deseje que o outro não seja desatento com o sentimento quando ele aparecer. E que também não sofra por ele além das suas forças.

No final, ele nos apresenta um personagem que conheceu na fila dos correios: João Brandão, que envia uma carta para si mesmo em todos os finais de ano com a frase: “Calma, rapaz”. João acredita que se ele não fizer isso por si mesmo, ninguém fará por ele. “Você já reparou que ninguém deseja calma a ninguém, na época de desejar coisas? Deseja-se prosperidade, paz, amor, isso ou aquilo, ‘tudo de bom pra você’. Mas, todos se esquecem de desejar calma para saborear esse tudo de bom, se por milagre ele acontecer e principalmente o nada de bom, que às vezes acontece em lugar dele. Faço isso como uma vacina”, diz João. Eu que não sou boba nem nada, me vacino com as três coisas: Calma, e só um grama de paz, que é para o amor ter espaço de existir no mesmo patamar.

E que essa vacina atinja os meus amigos que acordam todos os dias reconhecendo as responsabilidades da vida adulta. Para os que vivem entre o trabalho e o que querem fazer. Para os que pensam no dinheiro e no que querem ser. Para os escritores da minha sala com todos os projetos que nascem na cabeça, no coração e no papel.

Calma, e um grama de paz para todos os amores que nos atropelam. Para os que correm atrás, os que tentam de novo, os que esperam. Para quem sonha e para quem muitas vezes precisa fazer um esforço além da conta para acreditar. Uma vacina dessas para aquela que acabou de virar mãe. Para aqueles dois primeiros da turma que decidiram casar ano que vem. Para quem perdeu o emprego ou está procurando um que pague o aluguel. Ou decidiu ir morar com o namorado e inventou um “chá da casa nova” para ajudar com os utensílios domésticos. 

Calma, e um grama de paz para quem chega em casa e não tem água. Para quem escuta panelas sendo batidas, para quem decide andar no meio da Avenida Paulista e precisa aguentar spray e violência da polícia. Dizem que é um ano decisivo para política. Uma vacina bem concentrada com quem não sabe lutar direito por ela.

E por fim: Calma, e um grama de paz para todo o nosso interno. Nossos planos, nossos sonhos, o que nos move, o que faz a gente ser eterno. Para o que esperamos, o que tentamos de novo e o que corremos atrás. Que haja sempre poesia, que você seja marginal e seu próprio herói. Que o telefone toque, que as cartas cheguem, que as coisas finalmente mudem. Eu me vacino, tu te vacinas, ele se vacina. 


Vacinemo-nos não só em recomeços com datas marcadas,  mas sempre.

Letícia Cardoso