23 de dezembro de 2013

Como a asa de uma borboleta

Asa de borboleta é a coisa mais frágil que existe, porque quando você a toca, ela se desfaz nos seus dedos deixando um brilhinho. Ela se desfaz, mas deixa um brilho. 
Acho que a vida tem muito disso, várias de suas coisas se desfazem, mas algumas acabam deixando um brilho. 

Várias coisas se desfazem, mas algumas deixam um brilho.

Letícia Cardoso

12 de dezembro de 2013

O lugar

Eu gostaria de ficar para sempre ali parada, envolta e envolvida por aquele lugar nunca antes visitado. Eu via muitas pessoas irem ao seu encontro todos os dias e me perguntava porque algumas vezes era tão difícil ou por que motivo, por que razão, por que diabos as mil horas trabalhadas por semana não pagavam para me colocar lá. Valor alto ou baixo da moeda, dez por cento do salário colocado na poupança e corte de gastos supérfluos: nada, nada chegava ao preço estipulado de estar nele.

Quando eu finalmente cheguei, a minha vontade era de nunca sair dali. Eu suspirei alto e você me perguntou se eu estava cansada de esperar. "Não, não, é só um suspiro". Mas eu estava sim, só não quis falar. E então, eu entrei naquele espaço que eu tinha a impressão de já ter visitado ou conhecido, mas a verdade é que eu nunca havia estado ali. Aquilo tinha um ar diferente, um afeto novo, de refresco, recomeço, férias merecidas depois de meses ou anos de trabalho. 

Eu gostaria de ficar para sempre ali parada, envolta e envolvida naquela temperatura que surpreendia de tão ideal. Logo eu que tenho tantas dificuldades com climas, temperaturas e mal sei usar o ar-condicionado. Era final de inverno e começo de primavera. E você sabe como são as coisas em finais de inverno e começos de primavera, o dia pode amanhecer claro com um calor enorme e terminar chuvoso com ventos gelados. E mesmo nessa confusão, esse local conseguia equilibrar toda as indecisões climáticas. No mundo lá fora, é importante carregar sempre uma blusa, optar por uma sapatilha que possa ser suja de lama e nunca esquecer o guarda-chuva. Mas dentro desse local não, nele você pode ficar a vontade. Ele é seguro e feito pra você.

Quando eu finalmente entrei, a minha vontade era de nunca sair dali. Foi como se esse espaço tivesse sido realmente feito pra mim. Se eu ficar muito tempo longe, eu me perco e não me acho. Sinto falta, fico brava, me desaponto com esse meu jeito de criar laços. Fico pensando que eu gostaria de ficar pra sempre ali parada, envolta e envolvida nesse lugar tão surpreendente e calmo que existe perto do seu peito e dentro do seu abraço.

Letícia Cardoso

5 de dezembro de 2013

O Homem e o Iceberg

"Nós não fazemos outra coisa, não é? 
Olhar para as coisas e provar bebidas novas"
Hemingway em "Elefantes Brancos"

O homem no bar tem um problema. Algo que não diz e não consegue dizer, que não fala e não consegue falar, que não expressa e nem consegue expressar. Uma série de pessoas estão ao seu redor. O cara comemorando o sucesso no vestibular e os próximos oito anos em medicina. A garota que, depois de tanto tempo, foi pedida em namoro. A despedida do colega mais inteligente e prestativo do trabalho que pagou a rodada para os amigos, porque em terra de jornalismo, CLT é rei.

Pessoas felizes passaram ao lado do homem no bar que tinha um problema, mas ninguém sabia o que era. E pra falar a verdade, ninguém notou também. Pediu uma bebida para disfarçar algo que não queria dizer, esquecer algo que não queria falar, deixar pra lá algo que não queria expressar. 

"Qual bebida o senhor vai querer?", disse o barman
"A mais forte", respondeu
"Dia difícil?"
"Ninguém fala sobre a parte debaixo do iceberg."

Entretido em si mesmo, o homem que tem um problema tomou whisk. Bons copos de whisk. E voltou a analisar a profundidade dos acontecimentos.

"Eu não falo muito sobre você, porque tudo está muito além do que pode ser visto. Poucas pessoas entenderiam", disse o homem
"Então você bebe?", respondeu o iceberg
"Bebo e escrevo. Como todos os grandes caras."
"Mas se você escreve, é claro que você fala sobre mim. E deve ser horrível as pessoas saberem que você sofreu. E foi tanto, que você precisou escrever, botar pra fora, 'enfiar um dedo na garganta'.
"Nem tudo. Às vezes eu só deixo a sua ponta movimentar o texto dando a ideia da história sem ser exatamente claro com a profundidade do tema ou da situação. Às vezes eu só deixo todos verem o que realmente podem ver."
"Falando assim, você até parece frio. O que você não é e nem  nunca será. Mas a verdade é que todos sabem que seu texto nasceu de algo muito maior e profundo do que qualquer frase possa expressar, tipo a minha parte debaixo"

Foi então que o homem debateu com o iceberg todos os textos que nasceram de algum conflito interno, de parágrafos formados para não dizer ou expressar tudo e das frases que nasceram para serem sutís.E não pense que existe um motivo poético ou uma construção criativa para não falar exatamente sobre a parte debaixo de nós. Às vezes escritores realmente não sabem como dizer ou explicar, e escrevem justamente para tentar entender.

"Eu sei que você tem um problema pelo número de copos de whisk que tomou", disse o iceberg
"Eu sei que você é um problema pelo texto que fez eu escrever", respondeu o homem.

Foi então que o homem sentado sozinho no bar parou de conversar consigo mesmo, pediu mais um copo de whisk e iniciou outro conto no papel. Isso para disfarçar algo que não sabia como dizer, esquecer algo que não sabia como falar, disfarçar algo que não sabia como expressar. Uma série de pessoas estavam ao seu redor. O futuro médico sendo carregado pelos amigos, a mulher e o seu novo velho namorado e o jornalista-rei falando sobre o chefe.

"Dia difícil?" - disse o barman
"Nós não fazemos outra coisa, não é? Olhar para o que não entendemos e escrever coisas novas", respondeu o homem

Letícia Cardoso