17 de abril de 2014

A vida inteira de um homem

Nunca na minha vida achei que seria literária ao ponto de ler Dostoiévski. Mas, em uma dessas idas e vindas ao teatro – aliás, nunca achei que trabalharia com teatro – eu me deparei com um espetáculo inspirado no livro "Noites Brancas", em que o autor da peça ficou fascinado pela questão de Dostoiévski: “Um minuto inteiro de felicidade. Não basta isso para encher a vida inteira de um homem?”.

Eu não sei exatamente quando é que a gente pode deixar a razão entrar. E nem tão pouco sei se a gente tem mesmo que proibir a emoção de se instalar, ficar a vontade na nossa morada e guardar uma escova de dente no nosso armário pra quando precisar ficar. Eu sempre me pergunto se o que sobra, e importa, no final da vida são todas as decisões racionais que tomamos diante dos nossos sentimentos ou se são aquelas em que a gente se perde e vive.

Quando é exatamente que a gente está se perdendo? E a partir de que momento a gente começa a viver? Nunca achei que viveria um amor em que há um total desprezo por todas as convenções sociais que determinam os relacionamentos. Ou talvez eu não tenha desprezado, mas sim escolhido não pensar muito sobre isso por alguma experiência traumática que trouxe uma incômoda e infinita certeza da própria finitude das coisas.

O problema é que, como em diversos momentos na vida, a gente às vezes sente o sonho se esvairindo e a realidade tomando quietinha o seu lugar. Há uma constatação medrosa de que a razão está fazendo cada vez mais visitas, e que durante a sua momentânea estadia, vem preparando o terreno para se instalar. E é então que todas as emoções se entristecem e perdem o próprio espaço, porque como o velho ditado diz: dependendo da situação, a razão e a emoção não conseguem morar no mesmo lugar.

A gente nunca sabe quando está se perdendo, geralmente essa percepção ocorre quando a gente já se perdeu. Partindo disso, há duas escolhas: aquela racional que aponta o caminho do seu sentimento, e aquela em que você percebe que não há outro jeito a não ser assumir o risco e ir viver as coisas, nem que seja pra descobrir no final da vida se o que vale mesmo é se perder e viver, como os mais velhos sempre nos dizem.


Hoje eu fiz um esforço para lembrar a última vez em que fui feliz, e descobri que foi ontem, quando você me acalmou com dois beijos e depois aninhou minha cabeça no seu peito.

E mesmo com todas as incertezas, mesmo com a maioria das coisas se desenrolando tão inesperadamente, e até mesmo com o fato de que eu nunca achei que seria literária ao ponto de ler Dostoiévski: foi um minuto inteiro de felicidade. Basta isso para encher a vida inteira de um homem?”.

Letícia Cardoso