31 de janeiro de 2013

Raspas e restos me interessam

Você com certeza está do outro lado da sala com aquele seu jeito de fazer graça. Eu não sei porque apareci, sabia? Talvez tenha sido para matar a saudade de te olhar, quem sabe? Segundo Guimarães Rosa "qualquer amor já é um pouquinho de saúde e um descanso na loucura". Não sei se qualquer amor é isso, mas deve ter algum fundo de verdade.

Em um universo paralelo e imaginário, você ainda está no meu mundo. Você ainda está existindo com todas aquelas possibilidades para nós dois. Eu posso voltar com a bebida e entrelaçar as minhas mãos nas suas, posso sentar na mesa e encostar a cabeça no seu ombro, porque o-dia-foi-pesado-e-no-meio-da festa-eu-quero-descansar-em-você. A gente pode até se jogar no sofá da sala e ficar falando banalidades engraçadas ou filosofando sobre o mundo enquanto voltamos para casa. Sonhar é permitido aqui, e faz um bem danado.

Por isso, eu espero que você esteja do outro lado da sala com aquele seu jeito de fazer graça. Eu quero te ver colocando a mão no rosto quando vai analisar alguma coisa e fazendo aquele segundo de silêncio antes de questionar, ou até mesmo, concordar com ela. Eu quero olhar você contando uma das mil e uma histórias que coleciona ou só te ver sorrindo enquanto os outros falam, principalmente porque contei pra todo mundo sobre você sorrindo, e sei que os mais chegados te adoram muito mais assim. A realidade é permitida aqui, e esse instante faz um bem danado.

Talvez você me olhe por um tempo, talvez eu te olhe por outro tanto de tempo. É o que eu preciso e foi por isso que apareci, na verdade foi só por esses detalhes que eu vim aqui. Descobri que os pequenos pedaços ou até mesmo aquelas coisas que a gente ainda pode se apegar também são um pouquinho de saúde e um descanso na loucura. E não é qualquer amor que nos deixa isso. Será que Guimarães Rosa concordaria comigo?

Letícia Cardoso

21 de janeiro de 2013

Carta 23

Story Of A Man by Tiago Iorc on Grooveshark
"Eu fico olhando essa nossa foto na rede de balanço e tento pensar no que estávamos conversando. Olhando assim com jeitinho para aquela minha cara de menina, eu poderia apostar que não estávamos falando sobre nada e tudo o que eu queria era ficar no seu colo quietinha te vendo rir e debochar de qualquer coisa em volta.

Não lembro do que escrevi da última vez. Na verdade eu lembro, eu só não quero ter que ir lá reler. Isso porque as coisas mudaram muito nos últimos tempos e não consigo imaginar como você se sente quanto a isso. A gente nunca consegue imaginar direito como uma pessoa se sente quanto a alguma coisa, o que é ruim, já que ficamos só com ideias e suposições. Seria muito mais tranquilo pra cabeça, e também para o coração, se pudéssemos sempre saber sinceramente como uma pessoa se sente quanto a alguma coisa. Que coisa? Qualquer uma.

Cresci, e acho que nos últimos dois anos eu cresci mais do que a vida inteira. Na verdade, eu me tornei adulta e estou passando por aquela fase que todo mundo passa quando descobre que as coisas nunca mais serão as mesmas. Passei um ano inteirinho querendo apenas ver o que a vida tinha para me dar e acabei descobrindo que não é assim que se vive. Você encontra o seu lugar no mundo quando decide realmente jogar as cartas de corpo inteiro dentro dele.

Claro que algumas das nossas decisões causam sofrimento, mas isso não significa que as erradas vieram para nos fazem sofrer.. sentir dor faz parte do caminho, e decidir o que fazer para mudar as coisas também. Não acredito que apenas rezar, ter pensamentos positivos ou seguir o percurso a espera de algo que te salve vá ajudar alguma coisa. Eu aprendi na marra que não tenho a chance de pegar a caneta e escrever a minha própria história, mas posso muito bem decidir o que fazer quanto à todas as mudanças inesperadas de parágrafos. A gente arrisca e aprende a lidar com o que vier. Consequências são sempre consequências, e você tem que recebê-las de frente sem fugir para lado algum. Não é tão fácil, mas também não é tão difícil. Você perde o fôlego, mas sempre volta a respirar quando decide continuar seguindo custe o que custar.

"Ninguém vai te bater mais forte do que a vida.
Não importa o quanto você bate, mas sim o quanto aguenta apanhar e continuar lutando,
o quanto pode suportar e seguir em frente. É assim que se ganha."

A questão é que eu só escrevi para dizer que eu entendi o propósito de que ninguém nasceu apenas para "estar no mundo", e que ninguém deve passar pela vida sem descobrir isso. Agora que o ano voltou a ser um começo, eu preciso dizer que não quero mais perder fôlego algum. Chega uma hora em que a gente já sabe como se volta a respirar. 

Aproveita a viagem desse final de semana e vem comigo descansar de tudo e olhar o mar. Eu já aprendi até a mergulhar para ajudar o meu coração a descansar. Não sei se o dia estará nublado ou o mar bravo, mas quero deixar claro o meu desejo de estar lá rindo e debochando de qualquer coisa em volta. 

A vida já sabe que eu sempre vou atrás das coisas que posso ir, e que também já aprendi a deixar as que infelizmente devo deixar. Todo mundo nasceu para continuar seguindo com as cartas que recebe do mundo, e de realista para realista: é assim que você disse que as coisas voltariam a funcionar.


Feliz Ano Novo, e até a próxima."

Letícia Cardoso

11 de janeiro de 2013

A saudade que pediu permissão para não existir

Kiss Me by Ed Sheeran on Grooveshark

Hoje a saudade sentou no pé da cama e me perguntou se deveria existir. Ela disse que tem andado por todos os cantos da casa nos últimos dias sem saber do meu futuro e isso incomodou a sua permanência por aqui. Foi então que ela entrou no meu quarto, olhou nos meus olhos e perguntou se realmente deveria estar ali.

Antes de falar sobre mim e todas as outras vezes em que esteve presente na minha vida, ela começou a explicar o quanto é difícil viver na Terra do Sentir Falta. Descobri que há uma série de saudades espalhadas pelo mundo como se fossem anjos, cada uma com a missão de nos tocar em determinadas horas. Elas andam conosco, se identificam com alguns trechos dos nossos livros, escolhem a música que toca inesperadamente no carro e visitam todos os lugares que a gente tem vontade de voltar, mas não pode ir. Descobri que essa é a principal função da saudade: ir aonde nós não podemos ir.

As leis democráticas obrigam os cidadãos saudadianos a nos fazer aprender a importância de viver a vida com totalidade. A constituição exige que eles se relacionem diretamente com os nossos sentimentos, de modo que seja possível sentir o que sentimos para nos fazer descobrir que determinadas coisas são importantes. A missão mais leve imposta a eles é a de nos tocar de vez em quando para trazer algum tipo de alegria ou acalmar o nosso coração. Já a pior missão de todas é ensinar um ser humano rebelde a dar um sentido à existência saudadiana. Isso porque o sentido de algumas saudades é exatamente esse: a de que elas precisam existir para que a gente possa descobrir o quanto precisamos matá-las. 

As missões mais complicadas são acompanhadas pelo Ministério da Justiça Nostálgica, órgão responsável por olhar as histórias humanas e exigir que a melancolia interfira no processo quando o caso for muito complicado. O objetivo é fazer com que alguns seres humanos aprendam a importância em deixar o orgulho e outros sentimentos confusos de lado para fazer a coisa certa. Que coisa certa? Só a saudade responsável por cada um de nós pode responder.

Hoje a saudade sentou no pé da cama e me perguntou se era prudente deixar ela existir. Quis saber quando eu pararia de ser  um humano rebelde que disfarça o que sente e faria o que é certo fazer. Eu não soube muito bem o que responder, porque no meu mundinho ela sempre foi coisa que se sente, se dói e se espera passar. Além disso, toda vez que senti alguma falta, confiei que o tempo faria algo para ajudar.

Ela se surpreendeu com a minha resposta e disse que o tempo dessa vez poderia não me oferecer ajuda alguma. Cortou o meu coração quando disse que no Mundo do Sentir Falta, as saudades que não provocam um final feliz são condenadas a serem tristes, e que se eu não percebesse logo o sentido da sua existência nós duas iríamos nos machucar por um tempo.

Hoje a saudade entrou no meu quarto e resolveu me acordar. Me colocou contra a parede quando perguntou se realmente não havia mais o que fazer, se não dava mais mesmo para tentar. Colocou todos os meus pedaços no chão quando olhou nos meus olhos e perguntou como que os seres humanos aguentam quando uma saudade é condenada a ser triste, e irrevogavelmente, obrigada a ficar.

Letícia Cardoso

5 de janeiro de 2013

Expor, tentar de novo e seguir em frente

Your Side Now by Trent Dabbs on Grooveshark

Estranhei quando o médico tirou os curativos no segundo dia pós-cirúrgico e deixou a minha cicatriz exposta como se fosse apenas um corte no joelho. Eu não poderia colocar band-aid e nem tampar com outra coisa, bastasse que lavasse bem com água, sabão e usasse uma pomadinha de nada.

A ideia de que alguém me abriu e entrou dentro de mim fez eu ficar com receio daquele corte exposto, principalmente quando a dor me fazia checar se todas as camadas existentes da pele ainda estavam fechadas. Eu queria me proteger de um jeito melhor e parar tudo por uns dois meses, mas ainda havia a recomendação de andar para desinchar a região. "Eu vou ter que andar sentindo dor, doutor? Jura?"

E aí, que as coisas foram mais simples do que eu achava. No final das contas, cuidar da cicatriz da minha cirurgia foi como lidar com todos os cortes que a gente nunca vê. Bem aqueles que já podem ficar expostos e a gente não sabe. A diferença é que eu tinha um profissional graduado e qualificado para me dizer qual era o jeito certo de curar as coisas, diferente dos cortes que médicos não podem lidar tanto assim.



A questão é que alguns processos de cicatrização dependem muito do quanto que a gente permite que o corte seja exposto, ou até mesmo do quanto alguém nos faça confiar de que ele vai sarar sem aquelas proteções que a gente quer colocar quando dói, ou já doeu muito. Por mais que a gente queira se proteger melhor e parar tudo por uns dois meses, o único remédio que nos dão é seguir em frente e deixar o tempo resolver as coisas, que é o mesmo que água, sabão e uma pomadinha de nada. Você vai ter que andar e fazer todas as outras coisas com essa dor, mas vai passar. Sim, eu juro.

Não há um profissional graduado e qualificado para dizer que estamos todos cicatrizados o suficiente para voltar à ativa, mas sempre aparece alguém que estranhamente começa a lidar com os nossos cortes. Lida de uma maneira que nos faz querer voltar para a cama só de pensar em alguém entrando e cortando de novo, e ao mesmo tempo faz a gente se sentir muito melhor do que antes, quando ninguém havia chegado tão perto ou não existia possibilidade alguma de alguém entrar.

O tempo fez algum efeito e agora as coisas estão diferentes, há uma pessoa nova e o fato de que alguns processos de cicatrização também dependem do quanto a gente permite se expor, tentar de novo e seguir em frente.

Letícia Cardoso