21 de abril de 2011

Às nove da noite

Ele ficou parado naquela porta comigo pedindo para que eu não descesse. Eu olhava aquele seu jeito simples, cavalheiro, gentil e arrumado que eu tanto admirava. Um homem de andar calmo e firme, toque doce e palavra sábia de quem já viveu histórias incríveis com muita coisa para contar.

"Espera alguém voltar, aí você entra comigo". Eu escutei aquilo como se fosse uma criança me dizendo que está com medo do escuro, aquele homem do meu lado estava frágil e só eu estava ali. Incrível, eu descobri que este homem passa o dia inteiro pensando o que vai fazer às nove da noite.

Então ele entrou e eu fui junto. Andamos por aquele corredor pequeno, claro e gelado com um cheiro forte e tão característico que nenhum outro lugar tem, mas que a gente até se acostuma depois de um tempo. Durante a nossa pequena caminhada pude ver a rapidez e a tristeza daquele andar. Consegui sentir a sabedoria daquele homem e toda uma força que ele está tirando não sei de onde para esperar todos os dias o relógio marcar: nove da noite.

Depois do pequeno corredor, entramos em um salão enorme. Cheio de outras pessoas que esperam dar nove da noite e cheio de outras pessoas esperando alguém às nove da noite. Aquele homem lavou bem as mãos, secou e foi de encontro ao que ele quer ver sempre naquele horário. Disse: "Bem, estou aqui. Eu vim te ver e estou com saudades. Comprei carne no supermercado e espero que você melhore para comê-la logo. Fiz a minha barba, pintei o meu cabelo sozinho, mês que vem você pinta pra mim, tá? Você tá me ouvindo? Nossos gatos estão 'malinando' em casa, você tem que voltar logo para dar um jeito neles. E o papagaio, bem, ele chama o dia inteiro por você. Abre os olhos pra mim. Isso bem, abriu os olhinhos, que linda..."

Era o meu avô. Sorrindo e vibrando com cada sinal que a minha avó dá dentro da UTI. Contando coisas simples do dia a dia de um casal que viveu 56 anos juntos. Aquele homem tão amoroso e reservado estava lá sorrindo e rindo na minha frente com o que o amor da vida dele fazia com o maior esforço do mundo. E eu ali parada pensando sobre tudo aquilo, enxergando o quanto todo mundo que estava ali esperava por alguém. Alguns chorando, outros sorrindo, poucos conversando e quase a maioria em silêncio.

Até que o horário de visitas acabou e meu avô andou por aquele corredor que agora não parecia mais tão gelado, nem tão claro. Nem o cheiro daquele lugar incomodava mais. Enquanto esperávamos o carro, ele encostou a cabeça nos meus ombros e disse "O vô tá sofrendo tanto nesses últimos dias, filha". Era ele frágil e amável, de novo.

Então eu o abracei e entendi que o amor dele era o mais bonito do mundo. Ele está frágil e entristecido, mas forte e doce. E quando a gente ama alguém, a gente tenta fazer o nosso melhor, tenta parecer o mais forte possível, mesmo que ás vezes a gente precise deitar nos ombros de alguém depois. A gente espera todos os dias dar nove da noite, pedindo a Deus que a pessoa que a gente ama dê algum sinal de vida, dê algum sinal de amor. A gente faz o melhor que a gente pode, porque aquela pessoa lá dentro vale a pena.

E no dia seguinte, ele vestiu a sua melhor roupa e ficou lá esperando. Se era um dia bom ou ruim, se ela abriria os olhos ou não, se as notícias seriam boas ou ruins ele não sabia, mas estava lá esperando. Era ele, seus 56 anos de companheirismo e o relógio... que já apontava nove da noite.

2 comentários:

Marília disse...

Mesmo sendo um texto lindo e uma vida linda, não queria que vcs passassem por isso.
Continue forte e passando essa força pra todos que precisam de vc, amiga. Tudo está melhorando, devagarinho, mas está. Daqui a pouco, tudo estará resolvido e vc terá mais uma etapa de sua vida para se orgulhar.

Te amo muito!
beijos!

Felipe Braga disse...

Quanta ternura!

Tão lindo, Letícia. Um arrepio percorreu o meu corpo, foi a emoção chegando.

Tudo vai passar, tá? Enquanto isso, segura minha mão para que sejamos fortes.

Adoro você, sua linda!

É apenas a primeira narrativa sua que leio. E espero, do fundo do coração, ler mais.

Beijos.