5 de janeiro de 2013

Expor, tentar de novo e seguir em frente

Your Side Now by Trent Dabbs on Grooveshark

Estranhei quando o médico tirou os curativos no segundo dia pós-cirúrgico e deixou a minha cicatriz exposta como se fosse apenas um corte no joelho. Eu não poderia colocar band-aid e nem tampar com outra coisa, bastasse que lavasse bem com água, sabão e usasse uma pomadinha de nada.

A ideia de que alguém me abriu e entrou dentro de mim fez eu ficar com receio daquele corte exposto, principalmente quando a dor me fazia checar se todas as camadas existentes da pele ainda estavam fechadas. Eu queria me proteger de um jeito melhor e parar tudo por uns dois meses, mas ainda havia a recomendação de andar para desinchar a região. "Eu vou ter que andar sentindo dor, doutor? Jura?"

E aí, que as coisas foram mais simples do que eu achava. No final das contas, cuidar da cicatriz da minha cirurgia foi como lidar com todos os cortes que a gente nunca vê. Bem aqueles que já podem ficar expostos e a gente não sabe. A diferença é que eu tinha um profissional graduado e qualificado para me dizer qual era o jeito certo de curar as coisas, diferente dos cortes que médicos não podem lidar tanto assim.



A questão é que alguns processos de cicatrização dependem muito do quanto que a gente permite que o corte seja exposto, ou até mesmo do quanto alguém nos faça confiar de que ele vai sarar sem aquelas proteções que a gente quer colocar quando dói, ou já doeu muito. Por mais que a gente queira se proteger melhor e parar tudo por uns dois meses, o único remédio que nos dão é seguir em frente e deixar o tempo resolver as coisas, que é o mesmo que água, sabão e uma pomadinha de nada. Você vai ter que andar e fazer todas as outras coisas com essa dor, mas vai passar. Sim, eu juro.

Não há um profissional graduado e qualificado para dizer que estamos todos cicatrizados o suficiente para voltar à ativa, mas sempre aparece alguém que estranhamente começa a lidar com os nossos cortes. Lida de uma maneira que nos faz querer voltar para a cama só de pensar em alguém entrando e cortando de novo, e ao mesmo tempo faz a gente se sentir muito melhor do que antes, quando ninguém havia chegado tão perto ou não existia possibilidade alguma de alguém entrar.

O tempo fez algum efeito e agora as coisas estão diferentes, há uma pessoa nova e o fato de que alguns processos de cicatrização também dependem do quanto a gente permite se expor, tentar de novo e seguir em frente.

Letícia Cardoso

5 comentários:

Unknown disse...

Como vc escreve bem, dona Leticia... E que metáfora vc pegou pra usar hein. Gostei muito, Tu pensas bem além do que se passa. Quem dera todos fossem assim... Muitos aprenderiam as coisas muito mais cedo...

Camila Rodrigues disse...

Ler seus textos me faz lembrar daquela época de cartas e conversas e um milhão de conselhos seus! Época boa!
Escreve muito bem!
Um beijo Le!

Gabi Sikorski disse...

De todos os seus textos que já li, esse está na lista dos preferidos. Além de deixar transparecer sua maturidade como escritora, deixa a mostra sua maturidade emocional, porque agora a gente sabe que não vai morrer por causa de um machucado no coração que inflamou. É só cuidar. E ter paciência. Porque depois a gente olha pra cicatriz e pensa que já foi mais forte do que imaginava que poderia ser. Mas você sabe que se doer um pouco, estarei aqui. Sempre. Adorei a metáfora. E que nesse ano possamos correr pelas estradas da vida e se tomar uns capotes, ralar o joelho ou cortar qualquer coisa, que possamos ser nosso próprio Merthiolate e não condenar o mundo pelos arranhões. Como diria minha mãe " Já sara".

Gabi Sikorski disse...

Tava precisando ler esse texto mesmo. Que lindo! Ele demonstra, além da sua maturidade como escritora, sua maturidade emocional, de quem sabe que todos os tombos, ralados e cicatrizes que temos fazem parte do que somos hoje. E hoje somos bem melhores porque caímos mas nos levantamos. Doeu, sangrou, ardeu, mas sarou.
Que nesse ano o Merthiolate seja farto, o sorriso seja constante e que os corações batam mais fortes! Viva, Lele! Vamos abrir o coração! Amo você!

Liihs disse...

Letícia! Que texto! Que análise!
Posso dizer que amei? Eu sempre gostei de cicatrizes, pela história que elas contam e por todas as metáforas que já ouvi sobre elas, mas o modo como você escreveu me deu outra visão! Obrigada! *-*
Acho que vou sempre lembrar disso! ;D