6 de maio de 2011

Coisas na gaveta

O negócio é que ele tinha que liberar o coração e só sabia fazer isso transformando tudo em poesia, frases e rimas. Eu gostava disso, porque eu sabia que essa era a sua válvula de escape, o seu recomeço e a sua forma de seguir em frente. O ruim perceber que, de repente, ele começou a recusar tudo. De um dia para o outro, ele decidiu abdicar de qualquer possibilidade de sentimento, qualquer coisa que o lembrasse antigas aflições e não escreveu mais.

Embora eu tenha começado a escrever rimando algumas coisas, eu nunca fui poeta. Nunca uma poeta de verdade, nunca uma poeta como ele. Eu só tenho uma necessidade quase que libertadora de escrever tudo o que eu penso sobre o mundo e tudo o que fica guardado por dentro. Claro que falar tanto sobre sentimentos faz com que as pessoas nos achem exagerados ou profundos demais, mas ninguém nunca sabe direito o que carregamos por dentro.

Ontem ele apareceu aqui em casa. Continuava com o mesmo riso fácil e doce, sempre doce comigo, com a vida e com o futuro. Seguimos sempre o mesmo enredo de todas as nossas conversas e acabamos falando sobre a parte estranha da vida. Enquanto eu achava que aquele bonito que eu conheci havia sido irremediavelmente mudado, ele me contou que na última gaveta do seu armário tem um bolo de papéis rabiscados e cartas não entregues. E com isso, eu percebi que ele só estava dando um tempo na parte mais bonita dele, o que é uma pena.

A verdade é que, ás vezes, a gente não pode dizer como se sente. Nem sempre se pode escrever uma carta ou uma poesia e entregar para quem a gente ama. E de vez em quando, não dá para liberar tudo que existe do lado de dentro. O negócio é a gente continuar sendo quem a gente é , usando a nossa válvula de escape pra aguentar a parte difícil do caminho. O que se tem que fazer é executar o plano B e guardar as coisas na gaveta.

É isso que a gente faz quando quer seguir em frente: guarda algumas coisas na gaveta.

2 comentários:

D. disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Nossa.

Acho que se eu contasse toda a história, não acreditaria. É reconfortante perceber que outras pessoas compartilham dos meus pensamentis e mais: têm essa sensibilidade toda linda pra definir a vida quando se quer seguir em frente.
Bonito demais, de verdade.

Vou voltar. Sei que vai ter mais sentimento e eu quero estar aqui pra compartilhar.
Um abraço.