14 de outubro de 2012

Foi notícia em toda a cidade: A.M realmente tinha aquilo.

A população observava de longe os movimentos daquela pessoa que tinha características humanas, mas vinha de alguma espécie diferente. Acordava, comia, dormia e usava o transporte público da cidade como todo mundo. Às vezes parava diante de alguma loja, esperava o próximo metrô e trocava o livro para utilizar os serviços do celular de última linha. Mas... tinha aquilo. 

Não diagnosticaram como doença e nem o tio mais velho soube explicar direito se aquilo era realmente uma benção. Quando indagado, apenas respondia. "Bem, talvez seja bom, talvez seja ruim, nunca se sabe. Mas ter isso no mundo de hoje é meio complicado, se é que você me entende. Não que eu tenha algum tipo de preconceito, mas é que as pessoas hoje em dia nunca aceitam o que é diferente". E A.M tinha dez anos quando escutou o próprio tio dizer isto.

E enquanto crescia, A.M recebeu conselhos dos pais, amigos e familiares sobre como lidar com aquilo que carregava consigo. A única pessoa relutante era o pai, que gritava para quem quisesse ouvir. "Você vai esquecer tudo o que te disseram, viu? Nada de se esconder A.M, você nasceu assim, vai crescer assim e não tem que esconder nada que venha de você! Se você é diferente, dane-se! Existe uma razão para isso e você não deve ter vergonha do que é, tá me entendendo?" Nunca confirmaram, mas parentes próximos afirmam que o pai de A.M também havia sido diagnosticado com... aquilo.

Não que A.M não goste de café, o problema é a gastrite. Não que A.M às vezes se distraia, o problema é o sono. Não que A.M não aproveite a comodidade tecnológica atual, o problema é a mania que possui em querer fazer parte das pessoas.

Foi então que o pai de A.M decidiu fazer uma viagem e conhecer o mundo. Médicos de outros países analisaram o caso e acrescentaram uma nota no histórico médico: "A.M tem aquilo, mas é como todo mundo. A diferença está descrita em anexo".

Após conhecer uma série de pessoas, histórias e outros mundos, A.M entendeu o que os médicos descreveram no documento em anexo e voltou para a sua cidade. A população observava de longe os movimentos daquela pessoa que tinha características humanas, mas vinha de alguma espécie diferente. A.M é como todo mundo. Acorda, come, dorme e usa o transporte público da cidade. É feita de carne, osso, razão e coração. Mas tem aquilo, e não consegue esconder. Às vezes não consegue nem evitar quando olha nos olhos de alguém.

A população da cidade ainda se mantêm atônita e surpresa por A.M ser como todo mundo, mas ter aquilo de ser sincera com as próprias emoções, de continuar acreditando em amor e sentimentos, de achar que a gente sempre pode chegar lá. Porque todos nós temos essa coisa de sentimentos e emoções, não é? Mas ainda sim, A.M era diferente.

"Deus ajude que ela nunca mude", disse o padre da cidade.



2 comentários:

Camila Mancio. disse...

Amei, sério.
Voces estão de parabéns.
Beijos e sucesso.

Agora 20 de outubro está cada vez mais próximo.

Liihs disse...

Achei lindo demais esse texto!
Me faz pensar demais nas coisas lindas que existem e em quanto a gente não aproveita!
Maravilhoso. Parabén, Lê! ;)