6 de agosto de 2012

Carta 20

"Dizem que a incapacidade de aceitar a perda é uma forma de insanidade. Deve ser verdade. Mas, às vezes, é a única forma de nos mantermos vivos"
Talvez em algum lugar do meu inconsciente existem mais pedaços de momentos nossos. Você me curtiu muito, tenho certeza. Sinto isso quando lembro das nossas danças na cozinha e de você provando que confiava em mim deixando eu fazer a sua barba. Hoje eu senti saudade e não consegui escrever uma linha. Imaginei que se sentássemos na mesa da cozinha e eu te contasse quanto coisa me aconteceu esse ano, você escutaria quieto tomando o seu refrigerante. 

Talvez  você sorrisse ao saber sobre a carta que escrevi para o Igor e ficasse assustado por eu ter pedido demissão com três dias de trabalho e trocado de estágio três vezes em apenas um ano. Talvez você tiraria um sarro da minha cara quando eu descrevesse o quanto fiquei sem jeito ao encontrar o menino dos olhos bonitos e o quanto eu aprendi  sobre oportunidades perdidas com ele. Talvez você me desse uma bronca por ter mentido sobre a minha primeira balada ou por ter beijado aquele cara sem saber se ele era realmente legal.  Há muitos talvez para nós.



A maioria das coisas mudaram desde a última carta. Agora tenho 20, já esqueci o ex-namorado e o cara do primeiro beijo. Continuo completamente apaixonada pelo abraço do Igor e não consigo imaginar a minha vida sem ele. Troquei de estágio quatro vezes e o diploma vem no final do ano. Precisamos checar aquela lista de amigos, porque vou pedir para você olhar por mais gente daí.
Descobri que quero escrever todos os dias sobre inúmeras coisas. Foi por isso que pedi demissão com três dias de trabalho e troquei de estágio três vezes em um ano. É loucura, mas nós sabemos que eu quero fazer algo importante para mim na vida. Acho que tem uma força enorme que não me deixa desistir, embora eu sinta medo do futuro quando resolvo pensar sobre ele antes de dormir. E quanto a mamãe, nós continuamos seguindo juntas na nossa maneira de acreditar em partes bonitas do caminho.


A questão é que hoje eu senti saudade e não consegui escrever uma linha. Mesmo seguindo em frente ainda falta você. Falta os seus conselhos e saber o seu olhar sobre a vida nas conversas no quintal de casa. Falta passar creme no seu pé e fingir que não consigo dormir só para deitar ao seu lado. Falta te dar as mãos aos sábados de manhã e ir para a sua cama no domingo assistir qualquer programa de carros na televisão. Ontem eu descobri que não perdi o gosto que tenho por pijamas, mas parei de enrolar o cobertor no dedo antes de dormir. Acho que isso foi a única coisa que eu não trouxe da infância.


Não importa quanto tempo uma pessoa fique no seu caminho, ela sempre vai deixar um legado. É engraçado o modo que a vida tem de nos apresentar alguns aprendizados pelas experiências dos outros. Eu mal pude te conhecer, mas o seu legado me ensinou muitas coisas. Só de saber que você começou a trabalhar aos nove e concluiu uma faculdade de economia com dificuldade em matemática me faz sentir que eu posso chegar aonde eu quiser.


Continuo sabendo sobre os bons caminhos e tendo respeito pelas ações dos outros. Sigo cumprindo aquilo que prometi quando nos despedimos, mas acho que você sabe disso. Acredito que as crianças que vivem por aí também preparam copos de guaraná e conversam contigo sobre o que faço e o quanto eu quero viver. O seu legado está guardado no meu peito e você continua existindo aqui dentro de uma forma única, particular e só minha. Hoje eu senti saudade e achei que não conseguiria escrever uma linha.

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