4 de novembro de 2012

A gente sempre deixa de cuidar do que já tem na mão


Nunca entendi a necessidade que os meus avós tinham em regar a horta duas vezes ao dia nos períodos de calor. Eles sempre separaram algum tempo da tarde para checar se a terra estava fofa, se nenhuma larva estava ameaçando o crescimento ou se as galinhas haviam pulado os portões durante a noite para comer o pé de couve.

Além do fato de que regar a horta duas vezes em dias mais quentes garante os alimentos que teremos algum tempo depois, os meus avós criavam algum tipo de afeto com todas as cebolinhas, cenouras, batatas,  cheiro verde ou qualquer outra planta que crescia naquele pedaço de terra. Parece bobo pensar assim, mas eu acredito que eles criaram algum tipo de amor e respeito pelo ciclo mais sincero da vida humana: você colhe o que planta. Tá certo que algumas cenouras e batatas nascem menores que as outras, mas isso não prejudica muito. Há sempre uma batata melhor crescendo embaixo da terra, só é preciso confiar no cuidado que você dá e merece de volta. 

Eu aprendi desde cedo que as relações humanas são como a horta do quintal dos meus avós. A gente tem que cuidar direito e criar um tipo de amor e respeito por tudo o que planta e colhe da vida. Tem que colocar a mão na terra sem medo de se sujar, checar como anda o crescimento, cuidar da invasão das larvas, galinhas ou ervas daninhas e não esquecer de regar. Regar sempre, do jeito certo e o necessário, principalmente porque tudo o que se planta sente sede, e você não pode esquecer disso. Às vezes, a gente rega pouco e não se preocupa quando o clima muda.

Nós temos essa coisa de entrar no piloto automático e esquecer de alimentar a horta que a gente vai construindo ao longo da vida. Mas, por mais que a terra adore o toque das nossas mãos, ela não vai nos dar o alimento que queremos se nós não dermos a atenção e o cuidado que ela precisa.  E se você não cuidar das pessoas que tem por perto, elas podem ir embora e não estarem aqui quando qualquer parte sua sentir sede ou fome. E elas estarão totalmente certas em não dar os frutos que você quer, mas sim, os que você merece.

Não sei se a  necessidade em regar a horta duas vezes ao dia nos períodos de calor sofreu um certo tipo de influência do que os noticiários diziam sobre o aquecimento global, mas sei que os meus avós levavam muito em conta o que sentiam quanto ao clima do dia, ou quanto ao que viam quando saíam pela janela de manhã. E essa preocupação em cuidar de toda a vida existente ao redor era uma coisa especial só deles, que eu tive o prazer de aprender a notar. E eu acho que o mundo seria um pouco melhor se as outras pessoas tivessem essa mesma característica. 

Eu não acredito nas voltas do mundo, ou naquela coisa de que todas as pessoas que te fizeram mal terão o mesmo mal de volta. Mas eu acredito nessa coisa de plantar, cuidar, colher, aceitar as cenouras menores que a terra te dá mesmo sem você merecer e confiar que as batatas melhores virão na próxima plantação.

Meus avós estão juntos há 56 anos e rodeados de pessoas que os admiram muito. Acho que eles sempre souberam cuidar - e continuar cuidando - de tudo o que plantaram durante o caminho, até mesmo com todas as mudanças e indecisões climáticas dos últimos anos. Talvez isso signifique muita coisa.

2 comentários:

Nina disse...

Letícia,

Foi impressionante como cada texto que li hoje, tinha um pouco do meu tempo presente em alguma frase - aqui, no texto inteiro. E apesar de ficar feliz por ter encontrado gente que sabe como viver, entristeci porque a colheita não foi tão boa pra mim, quando não soube exatamente como plantar.
Teus avós são preciosos, obrigada por dividir essa lição com gente desconhecida feito eu.
Um abraço de quem precisava ler tudo isso pra aprender a cuidar do que se tem nas mãos - mesmo que já não se tenha mais, enfim, por tanta falta de cuidado.
Carinho,

Nina

Viviana Ruiz disse...

Olha, que texto maravilhoso. Fácil fácil de ler. Gostei muito da sua opinião. bjOus