6 de novembro de 2014

"Mas se um dia eu me der bem, vai ser sem jogo"

"Meu caminho nesse mundo, eu sei, vai ter um brilho incerto e
louco dos que nunca perdem pouco, nunca levam pouco.
Mas, se um dia eu me der bem, vai ser sem jogo."


Tem sempre uma fase da vida que a gente acredita que o ser humano não gosta de certezas, e que a grande verdade de tudo é que ele gosta e se prende onde há dúvidas. Existe uma fase na vida em que a gente acredita que é isso o que nos move, que nos tira do lugar, que nos faz não querer ser mais do mesmo. Em alguns pontos da vida, pode até ser, mas em outros não.

Há um tempo, eu tive a impressão de que em algumas circunstâncias a gente tem que ficar quieto. Em alguns momentos a gente tem que engolir os sentimentos e escondê-los como se fosse crime dizer que quer voltar, que não quer terminar, que sentiu saudades durante aquela viagem de duas semanas ou simplesmente evitar escrever "Nossa, são três e meia da manhã e eu estou mandando uma mensagem para dizer que acordei às três e vinte e nove e comecei a pensar em você.". Às vezes a gente engole esse tipo de coisa com medo de estragar tudo ou se abrir demais, porque algumas pessoas foram embora depois que você falou sobre os seus sentimentos. Sem contar o número de situações em que falar o que sentia não mudou muita coisa.

"E se não der certo, meu coração é esperto.
Não vai parar de bater"
Por isso que eu digo para você que sentou naquela mesinha e abriu o seu coração: eu jurava que você não existia mais. Eu apostava fácil o meu salário que te encontraria em outro planeta ou só naqueles roteiros cinematográficos. Eu digo para quem ligou no meio do nada. Para quem teve receio e, ainda assim, foi sincero com o que sentia. Para quem ensaiou aquela mensagem e conseguiu mandar: eu queria confessar que eu achava que você não existia mais, não. 

É que sei lá. Algumas vezes a gente lida com as coisas como se elas tivessem jeito certo e errado de ser, como se a vida não fosse mais complicada do que isso. Quase todo mundo entra no recinto fazendo aqueles truques com o olhar pra chamar atenção e mostrar que talvez tenha um corpo e - mais talvez ainda - um coração à sua espera. Só que mesmo com todas as possibilidades de talvez entregar o corpo e - mais talvez ainda - o coração, o olhar cheio de truques evita ligações, mensagens e todo o resto calculando algum tipo de controle de sentimentos. Como se os afetos pudessem realmente ser controlados, e essa postura evitasse machucados ou aumentasse o interesse alheio de alguma maneira.

Conhecer alguém não pode mais ser algo natural, algo que envolva simplesmente a vontade de andar juntos pelos caminhos e ver lá na frente o quanto você quer se comprometer. Parar em alguma esquina, e descobrir um conforto em retirar todos os muros que você construiu para se proteger. Arriscar e abrir quem você é para alguém que pode ir embora amanhã, ou que poderia ter ido embora hoje, mas decidiu ficar.

É pela demora e dificuldade de viver tudo isso que, em algumas fases, a gente acredita que o ser humano não gosta de certezas, e que a grande verdade de tudo é que ele gosta e se prende onde há dúvidas. Em alguns pontos da vida, a dúvida pode até nos mover e fazer algum sentido, mas em outros ela é um completo desperdício de tempo e energia. Não dizer, não correr atrás, esconder e fazer alguns truques pode até te manter em um espaço seguro - ou como é mesmo que falam? Ah, dominante! - , mas ao que exatamente se destina?

As coisas podem dar erradas ou certas quantas vezes elas quiserem, porque incrível mesmo é quem não desiste de ser quem é. E ah, se um dia a gente se der bem, vai ser sem jogo.

Letícia Cardoso

Um comentário:

Liihs disse...

Não tenho nada a acrescentar nesse texto, está perfeito e concordo com tudo! É como se você tivesse traduzido meus pensamentos. <3
Um beijo.
(Tava com saudades daqui! Tanto tempo sem ler seus textos.)