Nunca na minha vida achei que
seria literária ao ponto de ler Dostoiévski. Mas, em uma dessas idas e vindas
ao teatro – aliás, nunca achei que trabalharia com teatro – eu me deparei com
um espetáculo inspirado no livro "Noites Brancas", em que o autor da
peça ficou fascinado pela questão de Dostoiévski: “Um minuto inteiro de
felicidade. Não basta isso para encher a vida inteira de um homem?”.
Eu não sei exatamente quando é
que a gente pode deixar a razão entrar. E nem tão pouco sei se a gente tem
mesmo que proibir a emoção de se instalar, ficar a vontade na nossa morada e
guardar uma escova de dente no nosso armário pra quando precisar ficar. Eu
sempre me pergunto se o que sobra, e importa, no final da vida são todas as
decisões racionais que tomamos diante dos nossos sentimentos ou se são aquelas
em que a gente se perde e vive.
Quando é exatamente que a gente
está se perdendo? E a partir de que momento a gente começa a viver? Nunca achei
que viveria um amor em que há um total desprezo por todas as convenções sociais
que determinam os relacionamentos. Ou talvez eu não tenha desprezado, mas sim
escolhido não pensar muito sobre isso por alguma experiência traumática que
trouxe uma incômoda e infinita certeza da própria finitude das coisas.
O problema é que, como em
diversos momentos na vida, a gente às vezes sente o sonho se esvairindo e a
realidade tomando quietinha o seu lugar. Há uma constatação medrosa de que a
razão está fazendo cada vez mais visitas, e que durante a sua momentânea
estadia, vem preparando o terreno para se instalar. E é então que todas as
emoções se entristecem e perdem o próprio espaço, porque como o velho ditado
diz: dependendo da situação, a razão e a emoção não conseguem morar no mesmo
lugar.
A gente nunca sabe quando está se
perdendo, geralmente essa percepção ocorre quando a gente já se perdeu.
Partindo disso, há duas escolhas: aquela racional que aponta o caminho do seu
sentimento, e aquela em que você percebe que não há outro jeito a não ser
assumir o risco e ir viver as coisas, nem que seja pra descobrir no final da
vida se o que vale mesmo é se perder e viver, como os mais velhos sempre nos dizem.
E mesmo com todas as incertezas, mesmo com a maioria das coisas se desenrolando tão
inesperadamente, e até mesmo com o fato de que eu nunca achei que seria
literária ao ponto de ler Dostoiévski: foi um minuto inteiro de felicidade. Basta isso para encher a vida inteira de um homem?”.
Letícia Cardoso